quinta-feira, 22 de junho de 2017

Nina

Nos encontramos no dia seguinte, num bar em Copacabana, ela sugeriu, moro ali perto. Eu cheguei cedo, sentei numa mesa ao fundo, queria ter uma visão mais ampla de quem entrava e quem saía. Nina chegou com meia hora de atraso, me desculpe, eu nunca me atraso, não sei o que aconteceu. Ela colocou a enorme bolsa sobre a mesa. Está de mudança? eu apontei para a bolsa, ela riu, não, na realidade costuma estar quase vazia, mas eu sempre acho que pode acontecer de eu precisar carregar algo inesperado, tipo o quê?, eu perguntei, sei lá, tipo um chapéu, um abajur, ou um tamanduá. Um tamanduá?, é, eu coleciono, de barro, pedra-sabão, mas os de madeira são os meus preferidos, por causa da textura. E você, coleciona? eu?, não, eu não coleciono nada, aliás nem sei direito como é um tamanduá, ah, parece um urso, um urso com um focinho de tamanduá. Olhei para ela com carinho, ia dizer que estava feliz com o nosso encontro, quando ela me interrompeu, vamos pedir alguma coisa? Eu pedi uma dose de uísque, na época eu achava que todo escritor bebia uísque, ela pediu um suco de acerola, Nina não tinha pretensões literárias. Depois falamos sobre o calor, sobre a faculdade, depois Nina contou da sua família, o pai engenheiro, o avô, meu avô era cineasta quando jovem, dava aulas na universidade e fazia documentários para o partido socialista. Eu bebi várias doses de uísque, muito mais do que estava acostumado, Nina continuou com o suco de acerola, quanto ao final da noite, lembro muito pouco, apenas de ter tentado beijá-la e de ela ter correspondido.
Carola Saavedra, in O inventário das coisas ausentes

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