Vi
as carretas passarem. Os bois movendo-se devagar. O ranger das pedras
debaixo das rodas. Os homens como se estivessem dormindo.
...
Toda madrugada a cidade treme com a passagem das carretas. Chegam de
todos os lados, atopetadas de salitre, de espigas de milho, de
erva-do-pará. Gemem suas rodas fazendo as janelas vibrarem,
despertando todo mundo. É a mesma hora em que se abrem os fornos e
cheira a pão recém-assado. E de repente o céu pode troar. Cair a
chuva. Pode chegar a primavera. Lá você vai se acostumar aos “de
repentes”, meu filho.
Carretas
vazias, remoendo o silêncio das ruas. Perdendo-se no escuro caminho
da noite. E as sombras. O eco das sombras.
Pensei
em voltar. Senti lá no alto o caminho por onde tinha vindo, como uma
ferida aberta no negror das colinas.
Então
alguém tocou meus ombros.
— O
que é que o senhor está fazendo aqui?
— Vim
procurar... — e já ia dizer quem, quando parei: — vim buscar meu
pai.
— E
por que não entra?
Entrei.
Era uma casa com metade do teto derrubado. As telhas no chão. O teto
no chão. E na outra metade um homem e uma mulher.
— Vocês
não estão mortos? — perguntei a eles.
E
a mulher sorriu. O homem me olhou seriamente.
— Está
bêbado — disse o homem.
— Só
está assustado — disse a mulher.
Havia
uma lamparina de querosene. Havia uma cama de palha seca, e uma
cadeira de vime e assento de couro onde estavam as roupas dela.
Porque ela estava pelada, do jeito que Deus a botou no mundo. E ele
também.
—
Ouvimos alguém que gemia e dava
cabeçadas na nossa porta. E lá estava o senhor. O que aconteceu?
—
Aconteceram comigo tantas coisas que é
melhor querer dormir.
— Nós
já estávamos dormindo.
— Vamos
então dormir.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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