domingo, 25 de junho de 2017

Dona Eduviges

Como se o tempo tivesse retrocedido. Tornei a ver a estrela ao lado da lua. As nuvens se desfazendo. As revoadas de tordos. E em seguida a tarde, ainda cheia de luz.
As paredes refletindo o sol da tarde. Meus passos ressoando nas pedras. O tropeiro que me dizia: “Procure a dona Eduviges, se é que ela ainda está viva!”
Depois um quarto escuro. Uma mulher roncando ao meu lado. Notei que sua respiração era desigual como se estivesse entre sonhos, ou como se não dormisse e só imitasse os ruídos que o sono produz. A cama era de palha coberta com sacos de estopa que cheiravam a urina, como se nunca tivessem sido arejados ao sol; e o travesseiro era um trapo que envolvia uma paina ou lã tão dura ou tão suada que tinha endurecido feito pau.
Junto aos meus joelhos sentia as pernas nuas da mulher, e junto à minha cara a sua respiração. Sentei-me na cama apoiando-me naquela espécie de adobe do travesseiro.
O senhor não dorme? — ela me perguntou.
Não tenho sono. Dormi o dia inteiro. Onde está o seu irmão?
Saiu por aí. O senhor ouviu onde ele tinha de ir. Talvez não volte esta noite.
Quer dizer que acabou indo mesmo? Apesar da senhora?
É. E talvez não volte. Assim foi com todos. Que vou até aqui, que vou até ali. Até que foram se afastando tanto que no fim não voltaram. Ele sempre quis ir embora, e acho que agora chegou a vez. Talvez sem que eu soubesse, me deixou com o senhor para que o senhor cuidasse de mim. Viu que era a oportunidade. Essa história do bezerro fujão foi só um pretexto. O senhor vai ver como ele não volta.
Quis dizer a ela: “Vou sair para buscar um pouco de ar, porque sinto náuseas”, mas disse:
Não se preocupe. Ele volta.
Quando me levantei, ela me disse:
Deixei alguma coisa em cima do braseiro. É muito pouco; mas pode ser que acalme a sua fome.
Encontrei um pedaço de carne-seca e em cima das brasas umas tortilhas.
São as coisas que consegui — ouvi que ela dizia lá de onde estava. — Troquei com minha irmã por dois lençóis limpos que eu tinha guardado desde os tempos da minha mãe. Ela deve ter vindo aqui buscar. Não quis dizer nada na frente de Donis; mas foi ela a mulher que o senhor viu e que o assustou tanto.
Um céu negro, cheio de estrelas. E ao lado da lua, a maior estrela de todas.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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