Como
se o tempo tivesse retrocedido. Tornei a ver a estrela ao lado da
lua. As nuvens se desfazendo. As revoadas de tordos. E em seguida a
tarde, ainda cheia de luz.
As
paredes refletindo o sol da tarde. Meus passos ressoando nas pedras.
O tropeiro que me dizia: “Procure a dona Eduviges, se é que ela
ainda está viva!”
Depois
um quarto escuro. Uma mulher roncando ao meu lado. Notei que sua
respiração era desigual como se estivesse entre sonhos, ou como se
não dormisse e só imitasse os ruídos que o sono produz. A cama era
de palha coberta com sacos de estopa que cheiravam a urina, como se
nunca tivessem sido arejados ao sol; e o travesseiro era um trapo que
envolvia uma paina ou lã tão dura ou tão suada que tinha
endurecido feito pau.
Junto
aos meus joelhos sentia as pernas nuas da mulher, e junto à minha
cara a sua respiração. Sentei-me na cama apoiando-me naquela
espécie de adobe do travesseiro.
— O
senhor não dorme? — ela me perguntou.
— Não
tenho sono. Dormi o dia inteiro. Onde está o seu irmão?
— Saiu
por aí. O senhor ouviu onde ele tinha de ir. Talvez não volte esta
noite.
— Quer
dizer que acabou indo mesmo? Apesar da senhora?
— É.
E talvez não volte. Assim foi com todos. Que vou até aqui, que vou
até ali. Até que foram se afastando tanto que no fim não voltaram.
Ele sempre quis ir embora, e acho que agora chegou a vez. Talvez sem
que eu soubesse, me deixou com o senhor para que o senhor cuidasse de
mim. Viu que era a oportunidade. Essa história do bezerro fujão foi
só um pretexto. O senhor vai ver como ele não volta.
Quis
dizer a ela: “Vou sair para buscar um pouco de ar, porque sinto
náuseas”, mas disse:
— Não
se preocupe. Ele volta.
Quando
me levantei, ela me disse:
—
Deixei alguma coisa em cima do braseiro.
É muito pouco; mas pode ser que acalme a sua fome.
Encontrei
um pedaço de carne-seca e em cima das brasas umas tortilhas.
— São
as coisas que consegui — ouvi que ela dizia lá de onde estava. —
Troquei com minha irmã por dois lençóis limpos que eu tinha
guardado desde os tempos da minha mãe. Ela deve ter vindo aqui
buscar. Não quis dizer nada na frente de Donis; mas foi ela a mulher
que o senhor viu e que o assustou tanto.
Um
céu negro, cheio de estrelas. E ao lado da lua, a maior estrela de
todas.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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