sábado, 10 de junho de 2017

Convívio

O aparecimento de objetos voadores não identificados, nos arredores de Rutilândia, tornou-se tão frequente que o semanário A Razão Prática passou a chamá-los de objetos voadores identificados.
Tinham a mesma configuração, distinguindo-se uns dos outros apenas por sinais diferentes, gravados na fuselagem. Seus tripulantes entendiam-se normalmente com os moradores, não hesitando em solicitar-lhes pequenos serviços: copo d’água, comprimido para dor de cabeça. Ofereciam pequenas lembranças, como chaveiros e mesmo chaves, de matéria maleável, que serviam para toda espécie de fechaduras, mas advertindo que deviam ser usadas de brincadeira.
No fim de alguns meses de convivência pacífica, um dos tripulantes casou-se com a filha do prefeito, embora os companheiros o advertissem de que não podia residir em Rutilândia, pois deviam todos regressar ao lugar de origem. Ele respondeu que preferia ficar por ali mesmo, uma vez que sua mulher enjoava no interior do disco. “Mas você faltará ao dever deixando de voltar conosco” — retorquiram. Ele respondeu: “Que é o dever, depois de ser cumprido por muito tempo? O dever é uma chateação”. O prefeito ficou do seu lado, oferecendo cobertura para o caso de quererem levá-lo à força. Em Rutilândia há duas crianças encantadoras, filhas de uma jovem da sociedade local e de ex-tripulante de objeto voador identificado. Mas receia-se a todo momento que sejam raptadas.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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