domingo, 14 de maio de 2017

Um fenômeno de Parapsicologia

Uma vez um episódio me foi contado sucintamente por uma mocinha. Eu lhe pedi então que anotasse o que me dissera, sem fazer literatura nem estilo, apenas como lembrete para mim, pois eu pretendia fazer uma espécie de conto do que ela narrara.
A moça pegou um bloco de papel e sentou-se num canto de minha sala, meio de costas para mim. E eu fiquei sentada pensando e sentindo, esperando, vendo de través sua mãozinha rápida demais a correr sobre o papel, enquanto eu compunha mentalmente a história que ali mesmo desenvolvi completamente.
Ela parou e disse: – Não sei como continuar.
Então, como se eu já tivesse lido o que ela escrevera antes, ditei-lhe a parte mais importante.
Em breve a mocinha disse: – Está pronto, vou ler alto para você porque minha letra não é boa.
Ao ouvir, meus olhos se abriram em grande surpresa: ali estava a história quase como eu pretendia contá-la e como a forjara enquanto ela escrevia!
Interrompi a moça para lhe dizer:
Mas você escreveu como eu, com minhas próprias palavras! A história está por assim dizer pronta! Como é isso?
Ela respondeu:
Quando eu estava escrevendo tinha a impressão nítida de que você estava ditando para mim, e era só eu copiar. Foi tão fácil.
Não pode ter sido o estilo que usou influenciado pelo meu, pois ela confessou que não lera senão algumas páginas minhas e que não aguentara ler mais, tocava-lhe demais o coração. Além de que o nosso convívio pessoal era recentíssimo…
O que na verdade aconteceu é que a mocinha havia sido meu receptáculo.
Estou contando esse fato verídico sem entendê-lo. O mistério das relações humanas me fascina.
Clarice Lispector, in Aprendendo a viver

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