No
fundo de cada cabeça devem existir outros olhos, uns olhos que
enxergam para dentro, e provavelmente são eles que veem as
imaginações, as reminiscências, os sonhos, as ideias, as doidices
que a gente pensa.
Enquanto
os olhos que olham para fora se limitam a contemplar o que está na
frente deles, esses tais olhos de dentro ora veem o que querem, ora o
que a gente quer ver.
Às
vezes eles são obedientes. Outras são muito teimosos.
Quase
sempre são criativos. De vez em quando são tão sensíveis. São
imprevisíveis, os olhos de dentro.
Em
caso de necessidade, são capazes de reproduzir fielmente as imagens
que os de fora já viram, o que é chamado vulgarmente de lembrança,
fenômeno fácil de ser compreendido.
É
feito foto, filme, computador. Deve estar tudo registrado em alguma
parte da memória.
O
mais difícil de entender é como eles conseguem inventar coisas que
os olhos de fora nunca viram:
Acontecimentos
que não aconteceram.
Momentos
que jamais passaram.
Situações
completamente estapafúrdias.
Condições
imaginárias.
Suposições.
Tragédias.
Finais
felizes.
Sinais.
Hipóteses.
Subterfúgios.
Absurdos.
Desejos.
Aquilo
que não existe, ou que não é visível, ou que ainda não foi
descoberto, o que já foi embora, tudo o que está no brejo, o que
está sempre no escuro, soterrado, escondido, após, por trás, o
microscópico, a conjectura, o que foi arrancado, o que não foi
aberto.
Brincar
com os olhos de dentro pode ser engraçado.
É
só imaginar o que quiser, por mais maluco que seja, e podem
acontecer laranjas azuis — sóis sem luz — duas luas no céu —
uma tartaruga veloz — uma fuga, um refúgio, um lugar — outro
valor para “Pi” — paz aqui no planeta — cometas, estrelas
cadentes, beijos noturnos, mil e uma viagens — paisagens à vontade
do freguês — um Saturno sem anéis, uma ilha encantada, uma cidade
tranquila, uma casinha na floresta — festas de chuva no sertão —
um patrão mão-aberta (ou qualquer outra pessoa inventada).
Quem
manda nos olhos de dentro?
Será
um Deus?
Um
louco?
Um
desenhista?
Um
escritor?
Um
diretor de cinema?
Será
o desejo da gente?
Há
quem diga que é o inconsciente.
Há
quem pense que é o por acaso.
Eu
não sei o que pensar.
Mando
meus olhos de dentro pensarem sozinhos e lá se vão eles inventando
caminhos.
Deixo
o agora para trás.
Olho
só para o depois.
Encontro
um farol.
Sofro
uma alucinação?
Tanto
faz.
Faço
uma poesia, então, e imagino um país.
Vejo
a gente feliz num dia de sol.
Tem
hora que o melhor que se pode fazer é ver as coisas com outros
olhos.
Adriana
Falcão,
in O
doido da garrafa
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