quinta-feira, 25 de maio de 2017

Garçom!

Para ele, as mulheres dividiam-se em dois tipos: as que dividiam os homens em dois tipos e as que não dividiam. E ela era o tipo de mulher que dividia os homens em dois tipos: os que sabiam chamar o garçom e os que não sabiam.
Ele não sabia chamar o garçom. Nunca soube. Nem chamar o garçom, nem pedir abatimento, nem passar conversa no guarda, nem descolar convite pra festa, nem entender as mulheres, nada disso ele sabia. Também não sabia se ela dividia mesmo os homens em dois tipos, pelo menos não tinha certeza, nenhuma prova concreta. Só intuía.
Mas, como homens que não sabem chamar o garçom na maioria das vezes têm ótima intuição, tudo levava a crer que ele estava perdido.
Logo mais eles iam sair juntos pela primeira vez. Ele ia pegá-la em casa (já tinha até feito uma lista de assuntos para conversar durante o caminho), finalmente haviam de chegar ao restaurante, iam sentar numa mesinha agradável num cantinho aconchegante (os cantinhos aconchegantes são sempre os de mais difícil acesso), e, então, se Deus ajudasse, o garçom ia se aproximar espontaneamente para anotar o pedido das bebidas. Logo depois ia trazer uma vodca para ele e uma taça de vinho branco para ela (ela era o tipo de mulher que pede uma taça de vinho branco, infelizmente, devia pedir logo uma garrafa inteira) e depois ia sumir novamente, o garçom, às vezes eles somem mesmo.
Enquanto a taça dela estivesse até a metade, ele ainda ia ter algum sossego. Mas assim que a taça estivesse mais vazia do que cheia, sinal de que o momento fatal não tardava a chegar, ele não ia pensar em outra coisa a não ser “tenho que chamar o garçom”.
E como é que se chama um garçom, minha Nossa Senhora?
É fácil. Um simples gesto. Levanta-se qualquer uma das mãos acenando delicadamente. Só isso. É claro que o garçom não ia ver. Acontece. Mas se ele tentasse de novo, e mais uma vez, se passasse a noite inteira tentando, sempre com forte pensamento positivo, não era possível que uma hora o garçom não visse, mesmo que fosse míope e que tivesse esquecido os óculos em casa. Ainda restava a esperança de que outro garçom, mais atento, avisasse o colega. Afinal, não é tão impossível assim alguém ver um homem acenando a noite inteira, com forte pensamento positivo, dentro de um pequeno restaurante.
Imagine-se que ele obteve sucesso, e o garçom finalmente respondeu ao seu chamado. Ele pediria outra taça de vinho para ela, podia até pedir logo as três próximas, aproveitava e já pedia o cardápio.
Imagine-se agora que a taça dela esvaziou, ele acenou, nada, acenou outra vez, horas seguidas, ela ficou querendo outra, o garçom não viu, ela desistiu do vinho e disse: vamos pedir logo os pratos? Vamos. E como é que se faz para pedir os pratos? Pede-se o cardápio. Isso! Chamando o garçom.
E como é que se chama um garçom, minha Nossa Senhora?
Talvez ele tivesse que apelar para o grito. “Companheiro!” Não. “O cardápio, Mestre!” Pior. “Ô, meu querido, a gente queria dar uma olhadinha no cardápio.” Era melhor morrer.
Garçom!”, pura e simplesmente, ainda era a melhor opção, em se contando com a sorte de ser ouvido. Se tudo desse certo, exibiria a mão esquerda aberta, como se estivesse segurando um cardápio imaginário, e faria um movimento vertical com a direita, como se varresse o cardápio, que não estava na mão esquerda, de cima a baixo. Ou até diria “o cardápio, por favor!”, frase que, sejamos autocomplacentes, não chega a matar ninguém.
O cardápio chegou, imagine-se. Então, era torcer para ela escolher logo o prato antes que o garçom se fosse outra vez. Escolheu. Pediu. Graças a Deus. Agora ele teria a refeição inteira para pensar na maneira menos trágica de pedir a conta. Escrevendo uma suposta conta com uma caneta imaginária? O garçom não ia ver, é óbvio. E se pedisse a conta junto com os pratos? Não. Ela podia querer uma sobremesa. Quem sabe até, depois, um cafezinho.
Resolveu ligar para ela. “Não dá pra continuar lhe enganando. Eu sou o tipo de homem que não sabe chamar o garçom. Pronto. Confessei. Se você quiser desmarcar o encontro, pode desmarcar, eu compreendo.”
E ela, que era o tipo de mulher que acreditava que só existia um tipo de homem, o que engana as mulheres, não só confirmou o encontro como ainda escolheu o vestido mais decotado que tinha.
Adriana Falcão, in O doido da garrafa

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