quinta-feira, 18 de maio de 2017

As suaves vozes silentes

Seu irmão o sacudiu pelos cabelos até que você acordou. Por volta das duas da manhã.
Ele sussurrou: — Acorde. Mamãe e papai começaram de novo.
No quarto ao lado você ouvia as vozes dos dois. A porta estava aberta, mas não havia luz. A casa toda estava no escuro. O amargor nas vozes era o mesmo das outras noites. O fogo na voz do seu pai deixava você e o seu irmão arrepiados enquanto você ficava ali ouvindo as palavras inescrutáveis dos dois, às vezes palavras inglesas inaudíveis, mas principalmente italiano que você nunca ouvira.
Seu irmão Pete, que estava deitado ao seu lado, e tinha dez anos, disse: — Esta casa é um inferno.
No quarto ao lado seu pai dizia: — Para mim chega, acabou. Para mim chega.
Sua mãe disse: — E as crianças?
Seu pai disse: — Pegue as crianças e vá pro inferno.
Sua irmã no outro quarto começou a chorar. Gritou para você na escuridão da velha casa e você respondeu: — O quê?
E sua mãe e seu pai ficaram em silêncio para poder ouvir o que sua irmã queria, e ela gritou de novo, sua voz ondulava através das portas até onde você estava deitado: — Vá ver por que mamãe e papai estão brigando, Jimmie. Por favor, vá ver. Estou com medo.
E seu irmão caçula Tommy, que dormia na mesma cama de sua irmã, gritou para você, que tem doze anos e é o mais velho: — Eu não tenho medo, Jimmie. E ela tem oito anos e eu só tenho seis.
Seu pai urrou, sua voz fez a casa inteira vibrar: — Crianças, se não calarem a boca vou lhes dar algo para ficarem com medo de verdade.
O irmão que dormia ao seu lado disse: — Tommy é mesmo um sujeitinho corajoso.
Sua mãe disse ao seu pai: — Agora você acordou todo mundo.
Seu pai falou: — Que acordem. Estou me lixando.
Seu quarto ficava entre o de sua mãe e de seu pai e aquele da sua avó, e agora você ouviu a avó levantando-se. Ela viria ao seu quarto, como sempre fazia quando sua mãe e seu pai brigavam no meio da noite. A cada passo que dava exalava um estranho gemido “oh oh oh”.
O irmão do seu lado disse: — Aí vem a vovó se intrometer.
A porta rangeu e sua avozinha estava ao lado da cama, sua mão muito seca tateando o travesseiro em busca da sua cabeça.
Ela sussurrou e sempre chorava em noites como esta. — Vá ver, Jimmie, vá ver. Tem de fazer com que parem com isso. Seu pai vai matar sua mãe.
Fanfarronada, você dizia alto o bastante para que seu pai ouvisse. — Deixa pra lá, papai não é de nada.
A casa estava em silêncio exceto pelo “oh oh oh” do peito velho da sua avó.
Você disse: — Viu? Não tem mais briga.
Seu pai ouviu. Houve o som conhecido das molas do estrado gemendo enquanto seu pai se sentava na cama e disparava rápidas palavras raivosas contra sua avó. Era naquele italiano do qual você não conhecia nada. Você não pegou uma só palavra reconhecível. Sua avó voltou devagar, na ponta dos pés, para o quarto dela, sua porta se fechou, e as molas de sua cama rangeram.
Sua mãe disse ao seu pai: — Muito bonito o que você disse para sua própria mãe.
Do quarto mais atrás, sua irmã disse: — Mamãe, mamãe, por favor não comece de novo.
Seu irmãozinho Tommy disse à irmã: — Sua assustadinha.
O irmão ao seu lado disse num sussurro: — O que foi que papai disse à vovó?
Você disse: — Não sei. Vá dormir.
As paredes dos quartos eram de ripas e gesso rachado e você podia ouvir sua avó na cama dela. Os estranhos “oh oh ohs” eram soluços redondos que sacudiam a cama agora.
O irmão ao seu lado disse: — Vovó está chorando.
Você disse: — Não sou surdo. Estou ouvindo.
Seu irmão de seis anos disse à irmã, que dormia ao seu lado: — Ei, Jô, vovó está chorando.
Sua irmã disse: — Você ia chorar também, aposto, se fosse ela.
Seu irmão disse: — E como eu posso ser ela?
O irmão do seu lado disse: — Escute o Tommy.
Seu pai perguntou no escuro: — Quem está chorando?
A vovó está chorando.
Sua mãe disse: — Sua própria mãe.
Seu irmão Tommy disse: — Papai, por que a vovó está chorando?
Seu pai disse: — Vá dormir, Tommy. É muito tarde.
O irmão ao seu lado disse: — Tommy realmente gosta de fazer perguntas.
Sua mãe levantou da cama e colocou seu quimono. Você a ouvia arrastar pelo quarto seus chinelos vermelhos maltrapilhos com os dedões furados.
Seu pai disse: — Aonde vai agora?
Sua mãe disse: — Não fale comigo.
A lua brilhava através das janelas da sala de jantar e você viu sua mãe passar por elas. Ouviu o ranger da boa cadeira de balanço e sabia que sua mãe havia se sentado ao lado da estufa. As brasas da estufa estavam se apagando agora, mas ela não colocaria mais carvão porque aquilo faria um barulho profanador. A cadeira ronronava suavemente enquanto sua mãe a balançava para a frente e para trás, e em pouco tempo tudo ficou muito quieto e sua mãe estava adormecida na sala de jantar.
No pátio vizinho você ouviu caixotes tombando, atrás do armazém. Eram os gatos das redondezas procurando restos de carne.
Sua avó dormia agora. Não havia sons em seu quarto.
Seu pai suspirava. As molas de sua cama gemiam raivosamente. Seu pai lutava para dormir.
O irmão ao seu lado roncava em meio ao sono viçoso dos meninos.
O seu irmãozinho Tommy e sua irmã Josephine não faziam um som.
E, depois de algum tempo, você ouviu seu pai sussurrar a sua irmã.
Ele chamou bem baixinho: — Jô, Jô… Josephine.
Ela não respondeu e seu pai levantou-se e foi ao quarto onde ela dormia.
Seu pai sacudiu sua irmã até que ela acordou.
Sussurrou a ela: — Josephine, você pode ser uma boa menina para o papai e ir dormir com a vovó?
Ela disse: — Sim, eu gosto de dormir com a vovó.
Está certo, então vá. Só diga à vovó que quer dormir com ela.
Seu irmãozinho Tommy estava acordado agora e disse: — Eu quero dormir com alguém. Tenho medo de dormir sozinho.
Sua irmã disse: — Seu assustadinho.
Seu pai disse: — Venha dormir com o papai, Tommy. Só você e papai juntinhos.
E, antes que eles fossem para suas diferentes camas, você também acabou dormindo.
John Fante, in A grande fome: contos (1932-1959)

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