Seu
irmão o sacudiu pelos cabelos até que você acordou. Por volta das
duas da manhã.
Ele
sussurrou: — Acorde. Mamãe e papai começaram de novo.
No
quarto ao lado você ouvia as vozes dos dois. A porta estava aberta,
mas não havia luz. A casa toda estava no escuro. O amargor nas vozes
era o mesmo das outras noites. O fogo na voz do seu pai deixava você
e o seu irmão arrepiados enquanto você ficava ali ouvindo as
palavras inescrutáveis dos dois, às vezes palavras inglesas
inaudíveis, mas principalmente italiano que você nunca ouvira.
Seu
irmão Pete, que estava deitado ao seu lado, e tinha dez anos, disse:
— Esta casa é um inferno.
No
quarto ao lado seu pai dizia: — Para mim chega, acabou. Para mim
chega.
Sua
mãe disse: — E as crianças?
Seu
pai disse: — Pegue as crianças e vá pro inferno.
Sua
irmã no outro quarto começou a chorar. Gritou para você na
escuridão da velha casa e você respondeu: — O quê?
E
sua mãe e seu pai ficaram em silêncio para poder ouvir o que sua
irmã queria, e ela gritou de novo, sua voz ondulava através das
portas até onde você estava deitado: — Vá ver por que mamãe e
papai estão brigando, Jimmie. Por favor, vá ver. Estou com medo.
E
seu irmão caçula Tommy, que dormia na mesma cama de sua irmã,
gritou para você, que tem doze anos e é o mais velho: — Eu não
tenho medo, Jimmie. E ela tem oito anos e eu só tenho seis.
Seu
pai urrou, sua voz fez a casa inteira vibrar: — Crianças, se não
calarem a boca vou lhes dar algo para ficarem com medo de verdade.
O
irmão que dormia ao seu lado disse: — Tommy é mesmo um sujeitinho
corajoso.
Sua
mãe disse ao seu pai: — Agora você acordou todo mundo.
Seu
pai falou: — Que acordem. Estou me lixando.
Seu
quarto ficava entre o de sua mãe e de seu pai e aquele da sua avó,
e agora você ouviu a avó levantando-se. Ela viria ao seu quarto,
como sempre fazia quando sua mãe e seu pai brigavam no meio da
noite. A cada passo que dava exalava um estranho gemido “oh oh oh”.
O
irmão do seu lado disse: — Aí vem a vovó se intrometer.
A
porta rangeu e sua avozinha estava ao lado da cama, sua mão muito
seca tateando o travesseiro em busca da sua cabeça.
Ela
sussurrou e sempre chorava em noites como esta. — Vá ver, Jimmie,
vá ver. Tem de fazer com que parem com isso. Seu pai vai matar sua
mãe.
Fanfarronada,
você dizia alto o bastante para que seu pai ouvisse. — Deixa pra
lá, papai não é de nada.
A
casa estava em silêncio exceto pelo “oh oh oh” do peito velho da
sua avó.
Você
disse: — Viu? Não tem mais briga.
Seu
pai ouviu. Houve o som conhecido das molas do estrado gemendo
enquanto seu pai se sentava na cama e disparava rápidas palavras
raivosas contra sua avó. Era naquele italiano do qual você não
conhecia nada. Você não pegou uma só palavra reconhecível. Sua
avó voltou devagar, na ponta dos pés, para o quarto dela, sua porta
se fechou, e as molas de sua cama rangeram.
Sua
mãe disse ao seu pai: — Muito bonito o que você disse para sua
própria mãe.
Do
quarto mais atrás, sua irmã disse: — Mamãe, mamãe, por favor
não comece de novo.
Seu
irmãozinho Tommy disse à irmã: — Sua assustadinha.
O
irmão ao seu lado disse num sussurro: — O que foi que papai disse
à vovó?
Você
disse: — Não sei. Vá dormir.
As
paredes dos quartos eram de ripas e gesso rachado e você podia ouvir
sua avó na cama dela. Os estranhos “oh oh ohs” eram soluços
redondos que sacudiam a cama agora.
O
irmão ao seu lado disse: — Vovó está chorando.
Você
disse: — Não sou surdo. Estou ouvindo.
Seu
irmão de seis anos disse à irmã, que dormia ao seu lado: — Ei,
Jô, vovó está chorando.
Sua
irmã disse: — Você ia chorar também, aposto, se fosse ela.
Seu
irmão disse: — E como eu posso ser ela?
O
irmão do seu lado disse: — Escute o Tommy.
Seu
pai perguntou no escuro: — Quem está chorando?
— A
vovó está chorando.
Sua
mãe disse: — Sua própria mãe.
Seu
irmão Tommy disse: — Papai, por que a vovó está chorando?
Seu
pai disse: — Vá dormir, Tommy. É muito tarde.
O
irmão ao seu lado disse: — Tommy realmente gosta de fazer
perguntas.
Sua
mãe levantou da cama e colocou seu quimono. Você a ouvia arrastar
pelo quarto seus chinelos vermelhos maltrapilhos com os dedões
furados.
Seu
pai disse: — Aonde vai agora?
Sua
mãe disse: — Não fale comigo.
A
lua brilhava através das janelas da sala de jantar e você viu sua
mãe passar por elas. Ouviu o ranger da boa cadeira de balanço e
sabia que sua mãe havia se sentado ao lado da estufa. As brasas da
estufa estavam se apagando agora, mas ela não colocaria mais carvão
porque aquilo faria um barulho profanador. A cadeira ronronava
suavemente enquanto sua mãe a balançava para a frente e para trás,
e em pouco tempo tudo ficou muito quieto e sua mãe estava adormecida
na sala de jantar.
No
pátio vizinho você ouviu caixotes tombando, atrás do armazém.
Eram os gatos das redondezas procurando restos de carne.
Sua
avó dormia agora. Não havia sons em seu quarto.
Seu
pai suspirava. As molas de sua cama gemiam raivosamente. Seu pai
lutava para dormir.
O
irmão ao seu lado roncava em meio ao sono viçoso dos meninos.
O
seu irmãozinho Tommy e sua irmã Josephine não faziam um som.
E,
depois de algum tempo, você ouviu seu pai sussurrar a sua irmã.
Ele
chamou bem baixinho: — Jô, Jô… Josephine.
Ela
não respondeu e seu pai levantou-se e foi ao quarto onde ela dormia.
Seu
pai sacudiu sua irmã até que ela acordou.
Sussurrou
a ela: — Josephine, você pode ser uma boa menina para o papai e ir
dormir com a vovó?
Ela
disse: — Sim, eu gosto de dormir com a vovó.
— Está
certo, então vá. Só diga à vovó que quer dormir com ela.
Seu
irmãozinho Tommy estava acordado agora e disse: — Eu quero dormir
com alguém. Tenho medo de dormir sozinho.
Sua
irmã disse: — Seu assustadinho.
Seu
pai disse: — Venha dormir com o papai, Tommy. Só você e papai
juntinhos.
E,
antes que eles fossem para suas diferentes camas, você também
acabou dormindo.
John
Fante, in A grande fome: contos (1932-1959)
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