“Se
o próprio Epicuro, que tanto cedeu ao corpo, se insurgiu contra as
injúrias, porque hão-de nos parecer estas coisas incríveis ou
sobre-humanas? Epicuro disse que, para o sábio, as injúrias são
toleráveis; nós dizemos que, para o sábio, não há injúrias. E
não digas que isto é estar em desacordo com a natureza: não
negamos que seja desagradável ser fustigado, agredido ou ficar
privado de um membro, mas negamos que estas coisas sejam injúrias;
não contestamos o caráter doloroso, mas sim o nome de ‘injúria’,
o qual não podemos aceitar sem faltar à virtude. Veremos qual das
duas doutrinas é mais verdadeira; mas, de qualquer forma, ambas
desprezam a injúria.
Queres
saber qual a diferença entre elas? É a mesma que existe entre dois
gladiadores intrépidos: um que comprime a ferida e mantém-se em
posição, o outro, virando-se para o público clamoroso, faz sinal
de que nada se passou e pede para que não se pare o combate. Não
julgues que aquilo em que discordamos é importante: no que diz
respeito ao ponto principal, que é aquele que nos interessa, as duas
doutrinas encorajam a desprezar as injúrias e o que eu chamaria
sombras das injúrias e suspeições, que são as ofensas. Para
desprezá-las não é preciso sermos sábios, mas sim sermos tão
sensatos que possamos dizer para nós mesmos: ‘Mereci ou não que
estas coisas me acontecessem? Se mereci, não é ofensa, é
julgamento; se não mereci, aquele que está a ser injusto comigo
deveria envergonhar-se disso’. E o que é aquilo a que chamamos
ofensa? Um gracejo sobre a minha calvície, sobre a fraqueza da minha
vista, sobre a magreza das minhas pernas ou sobre a minha estatura? É
ofensa ouvir o que está à vista? Rimo-nos de uma coisa quando é
dita por alguém que está a sós conosco, indignamo-nos quando ela é
dita publicamente, e recusamos aos outros a liberdade de repetir as
coisas que costumamos dizer; divertimo-nos com os gracejos moderados,
com os imoderados irritamo-nos.”
Sêneca,
in Da constância
do sábio
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