segunda-feira, 10 de abril de 2017

– Que rato, George?


Por um instante, Lennie ficou lá quieto, e daí disse, cheio de esperança:
A gente vai trabaiá numa fazenda, George?
É isso aí. Isso ocê entendeu. Mas hoje a gente vai dormi aqui porque eu quero.
O dia estava indo embora rapidamente. Apenas o topo das montanhas Gabilan queimava com a luz do sol que já tinha ido embora do vale. Uma cobra-d’água deslizou pela lagoa, com a cabeça erguida como um pequeno periscópio. Os juncos estremeciam um pouco por causa da corrente. Ao longe, na direção da estrada, um homem gritou alguma coisa, e outro homem gritou em resposta. Os galhos dos plátanos farfalharam um pouco devido a uma brisa fraca que morreu imediatamente.
George… por que é que a gente num vai até lá na fazenda arrumá uma janta? Tem janta na fazenda.
George rolou o corpo para o lado.
Num vô dá razão nenhuma pr’ocê. Eu gostei daqui. Amanhã a gente vai lá trabaiá. Vi umas máquina de debulhá no caminho pra cá. Isso qué dizê que a gente vai tê que ficá carregando saco de cereal, a gente vai estourá as tripa. Hoje vô ficá aqui deitado olhando pra cima. Gostei da ideia.
Lennie ficou de joelhos e olhou para George:
A gente não vai jantá?
Claro que vai, se ocê fô buscá uns galho seco de salgueiro. Tenho treis lata de fejão na minha troxa. Ocê arruma o fogo. Eu te dô um fósfro quando a madera tivé pronta. Daí a gente isquenta o fejão e janta.
Lennie disse:
Eu gosto de comê fejão com molho de tomate.
Bom, a gente num tem molho de tomate nenhum. Vai lá buscá a madera. E num vai ficá dando volta por aí. Logo, logo vai iscurecê.
Lennie ficou de pé e desapareceu no meio do bosque. George ficou deitado onde estava e assobiou baixinho para si mesmo. Ouviu um som de chapinhar rio abaixo, na direção que Lennie tinha tomado. Parou de assobiar e ficou prestando atenção.
Que idiota, coitado – disse em voz baixa e logo recomeçou a assobiar.
Logo Lennie voltou, atravessando o bosque ruidosamente. Carregava um galhinho de salgueiro na mão. George se sentou.
Muito bem – disse, brusco. – Pode me dá esse rato agora memo!
Mas Lennie fez uma elaborada pantomima de inocência.
Que rato, George? Num tem rato nenhum.
George esticou a mão.
Anda logo. Pode me dá. Ocê não engana ninguém. Lennie hesitou, recuou, olhou inquieto para o bosque que margeava o rio, como se estivesse considerando a possibilidade de correr para a liberdade. George disse, com frieza:
Ocê vai me dá esse rato ou eu vô tê que te dá uma surra?
Te dá o que, George?
Ocê sabe muito bem o quê. Eu quero esse rato.
Lennie enfiou a mão no bolso com relutância. A voz tremeu um pouco:
Num sei por que que eu num posso ficá com ele. Esse rato num é de ninguém. Eu num robei. Achei jogado do lado da estrada.
A mão de George continuou estendida, cheia de decisão. Lentamente, como um cão terrier que não quer entregar uma bola ao dono, Lennie se aproximou, recuou, aproximou-se de novo. George estalou os dedos com força, e, a esse som, Lennie colocou o rato na mão dele.
Eu num tava fazendo nada de mau com ele, George. Só tava agradando.
George se levantou e jogou o rato o mais longe que conseguiu no meio do bosque, depois foi até a lagoa e lavou as mãos.
Seu bobo loco. Ocê acha que eu num vi que os seus pé tá tudo molhado porque ocê atravessô o rio pra buscá ele? – Ouviu o choro manhoso de Lennie e deu meia-volta. – Tá chorando que nem um bebê! Jesus Cristo! Um sujeito grande igual ocê.
O lábio de Lennie tremeu e lágrimas brotaram de seus olhos. – Ah, Lennie! – George colocou a mão no ombro de Lennie.
Num tirei d’ocê por maldade. Aquele rato num tá nada fresco, Lennie; e, além disso, ocê quebrô ele co’os seus agrado. Se ocê arrumá otro rato mais fresco, eu deixo ocê ficá com ele um pouquinho.
Lennie sentou-se no chão e deixou a cabeça cair, desalentado.
Num sei onde é que vai tê otro rato. Eu lembro de uma moça que sempre dava os rato dela pra mim… ela me dava todos os rato que ela tinha. Mais aquela moça num tá aqui.
George caçoou:
Moça, é? Ocê nem lembra quem era essa moça? Era a tua tia Clara, ela mesma. E ela parô de dá pr’ocê. Porque ocê sempre matava todos os rato.
Lennie olhou para ele com tristeza.
Eles era tão pequenininho – disse, como que pedindo desculpas. – Eu agradava eles e logo eles começava a mordê o meu dedo e eu apertava a cabeça deles um poco e logo eles morria… porque eles era pequenininho demais. Eu queria que a gente tivesse coelho logo, George. Eles num são assim tão pequeno.
Que se dane os coelho. E num dá pra confiá em te dá um rato vivo pr’ocê segurá na tua mão. Tua tia Clara deu pr’ocê um rato de borracha, mais ocê num quis sabê dele.
Ele num era bom de agradá – respondeu Lennie.
A chama do pôr do sol sumiu do topo das montanhas, e o anoitecer caiu sobre o vale, e a semiescuridão penetrou por entre os chorões e os plátanos. Uma grande carpa subiu até a superfície da lagoa, tomou um gole de ar e tornou a afundar misteriosamente na água escura, deixando na superfície d’ água anéis que foram se propagando. Lá em cima, as folhas começaram a farfalhar de novo, e pequenos sopros de algodão de salgueiro saíram voando e pousaram sobre a superfície da lagoa.
John Steinbeck, in Ratos e homens

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