terça-feira, 4 de abril de 2017

Paula

Depois de casarem o último dos seus cinco filhos, Paula contou para o marido que o encontro deles não tinha sido casual, como ele pensava.
Que encontro?
O nosso. Há cinquenta anos.
Eu sempre desconfiei que você tinha planejado tudo, para me fisgar — disse o Osmar, rindo.
Mas Paula estava séria.
Não planejei nada. Planejaram por mim.
Quem?
Eu tinha ordens para me infiltrar na sua vida. Casar com você, se fosse preciso. Acompanhar você em tudo, me informar sobre todas as suas atividades e passar a informação para eles.
Eles quem?
Meu casamento com você não foi um casamento, Osmar. Foi uma missão.
Osmar começou a rir de novo. Parou quando viu que Paula continuava séria.
Mas Paula, você sempre foi uma esposa perfeita. Perfeita!
E você nunca desconfiou disso? Uma mulher que fazia todas as suas vontades? Que nunca contrariou você em nada? Uma mulher perfeita? Eu estava apenas protegendo meu disfarce.
Mas... E os nossos cinco filhos?!
Sempre que eu desconfiava que você estava perdendo o interesse em mim e no nosso casamento, engravidava. Para não comprometer a missão.
Você também foi uma mãe perfeita!
Sou uma boa profissional.
Como você mandava a tal informação?
A princípio, fazia relatórios escritos e deixava em locais predeterminados. Depois comecei a registrar tudo eletronicamente neste aparelhinho que eles me deram.
Quer dizer que você nunca foi surda desse ouvido?
Sempre ouvi perfeitamente dos dois. Gravava tudo, depois colocava a fita no local que tinha combinado com eles.
Mas “eles” quem?!
Pois é.
Como “pois é”?
Eu não lembro mais quem eram eles. Na última vez que levei uma fita para o tal lugar secreto, a fita anterior não tinha sido recolhida. A tal missão deve ter sido desativada e não me avisaram.
Você não se lembra para quem trabalhava?
Não.
E o que eles queriam saber a meu respeito?
Também não me lembro.
Paula, Paula...
Bom, pelo menos educamos os nossos filhos. Estão todos casados e bem encaminhados na vida...
Missão cumprida.
Missão cumprida.
Boa noite, Paula.
Juraci.
O quê?
— “Paula” era codinome.
Luís Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis

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