sábado, 8 de abril de 2017

O resultado

No princípio Deus criou os céus e a terra. À parte sólida, chamou terra, e ao conjunto das águas, chamou mar.
E Deus viu que isso era bom.
A terra produziu verdura, ervas com semente e árvores de fruto.
E Deus viu que isso era bom.
E disse: “Faça-se a luz!” E a luz foi feita.
E Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas.
Para reger o dia e a noite, Ele colocou no firmamento duas grandes luzes, a maior para iluminar o dia e a menor para iluminar a noite, e milhões de estrelas.
E Deus viu que isso era bom.
Criou, então, todos os seres vivos que se movem nas águas e na terra, e as aves.
E Deus viu que isso era bom.
A seguir, Ele criou o homem à sua própria imagem e disse: “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma companheira semelhante a ele”. Então, criou a mulher. “Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra.”
E se pudesse avaliar o resultado agora, bilhões de anos depois, por maior que fosse Seu otimismo, dificilmente Deus veria que isso era bom.
Mesmo com toda Sua boa vontade.
Assim que o mundo ficou nas mãos do homem e da mulher, eles cresceram, multiplicaram-se, dominaram tudo, e começou uma confusão sem precedentes na história.
A partir daí, era só com eles.
E talvez eles não estivessem preparados para tanto.
Comerás o pão com o suor do teu rosto”, Deus ordenou ao homem, sem prenunciar a crise que vinha pela frente, o desemprego, a carestia, a chatice de alguns chefes, o valor do salário mínimo e o imposto de renda. Esqueceu Ele de dizer, também, que a mulher ingressaria no mercado de trabalho e por isso exigiria, é claro, que o homem ajudasse na faxina, lavasse louça e tivesse que aprender a cozinhar, “eu já cansei de explicar qual é a colher de sopa, seu cretino”.
No item “Crescei e multiplicai-vos”, Ele mais uma vez se mostrou bastante otimista.
Como é que Deus ia adivinhar que os homens seriam tão trapalhões em questões como justiça social, saúde e educação para todos, e a população ia acabar nessa miséria? E a falta de consciência ecológica, e os problemas de saneamento básico, e as praias lotadas, e os engarrafamentos, e a violência, e as filas, e as favelas?
Não. Deus não era adivinho.
Quando deduziu que não era conveniente deixar o homem sozinho e criou a tal companheira para o coitado, Ele não podia prever que mulher gosta de discutir a relação, adora fazer compras no shopping e chora por tudo. Por isso, talvez, Ele não predisse: tentarás fugir desse inferno que virou a tua vida, pedirás o divórcio, mas o advogado dela exigirá até o teu último centavo.
Por outro lado, Deus ordenou à mulher: “Procurarás compaixão a quem serás sujeita, o teu marido”, sem prevenir que ela estaria sujeita a um sujeito tão complicado e, o que é pior, sem determinar se ela precisava se sujeitar inclusive ao sapato dele no meio da sala.
Além disso, Ele esqueceu de comunicar detalhes importantíssimos como: acreditarás em tudo o que o teu marido disser e te darás muito mal, comprarás um brinco novo e ele não perceberá, aguardarás flores, todas as manhãs, e elas não chegarão nunca. (A não ser que teu marido cometa uma besteira muito grande, minha filha.)
Deus disse à mulher: “os teus filhos hão de nascer entre dores”. É verdade.
Mas Ele não avisou: e para te ajeitares depois, só com quinhentos abdominais por dia ou uma lipo. Nem lembrou de anunciar: bebês acordam a noite inteira, principalmente se tiverdes uma reunião no dia seguinte. Nem informou: e quando eles crescerem, aí verás o que é bom, pois teus filhos não amarrarão os cadarços dos tênis, não avisarão que vão chegar mais tarde, julgar-te-ão uma chata e não sairão do telefone.
O fato é que a bagunça que virou este mundo de Deus (sem falar na programação da televisão) tomou proporções tão gigantescas que o mínimo que a gente pode fazer agora é inventar outro final pra essa história: até que os homens tomaram vergonha na cara e reinou para sempre a paz, o amor e a felicidade.
E Deus viu que isso era bom e ficou satisfeitíssimo com o resultado.
Adriana Falcão, in O doido da garrafa

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