No
princípio Deus criou os céus e a terra. À parte sólida, chamou
terra, e ao conjunto das águas, chamou mar.
E
Deus viu que isso era bom.
A
terra produziu verdura, ervas com semente e árvores de fruto.
E
Deus viu que isso era bom.
E
disse: “Faça-se a luz!” E a luz foi feita.
E
Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas.
Para
reger o dia e a noite, Ele colocou no firmamento duas grandes luzes,
a maior para iluminar o dia e a menor para iluminar a noite, e
milhões de estrelas.
E
Deus viu que isso era bom.
Criou,
então, todos os seres vivos que se movem nas águas e na terra, e as
aves.
E
Deus viu que isso era bom.
A
seguir, Ele criou o homem à sua própria imagem e disse: “Não é
conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma companheira
semelhante a ele”. Então, criou a mulher. “Crescei e
multiplicai-vos, enchei e dominai a terra.”
E
se pudesse avaliar o resultado agora, bilhões de anos depois, por
maior que fosse Seu otimismo, dificilmente Deus veria que isso era
bom.
Mesmo
com toda Sua boa vontade.
Assim
que o mundo ficou nas mãos do homem e da mulher, eles cresceram,
multiplicaram-se, dominaram tudo, e começou uma confusão sem
precedentes na história.
A
partir daí, era só com eles.
E
talvez eles não estivessem preparados para tanto.
“Comerás
o pão com o suor do teu rosto”, Deus ordenou ao homem, sem
prenunciar a crise que vinha pela frente, o desemprego, a carestia, a
chatice de alguns chefes, o valor do salário mínimo e o imposto de
renda. Esqueceu Ele de dizer, também, que a mulher ingressaria no
mercado de trabalho e por isso exigiria, é claro, que o homem
ajudasse na faxina, lavasse louça e tivesse que aprender a cozinhar,
“eu já cansei de explicar qual é a colher de sopa, seu cretino”.
No
item “Crescei e multiplicai-vos”, Ele mais uma vez se mostrou
bastante otimista.
Como
é que Deus ia adivinhar que os homens seriam tão trapalhões em
questões como justiça social, saúde e educação para todos, e a
população ia acabar nessa miséria? E a falta de consciência
ecológica, e os problemas de saneamento básico, e as praias
lotadas, e os engarrafamentos, e a violência, e as filas, e as
favelas?
Não.
Deus não era adivinho.
Quando
deduziu que não era conveniente deixar o homem sozinho e criou a tal
companheira para o coitado, Ele não podia prever que mulher gosta de
discutir a relação, adora fazer compras no shopping e chora por
tudo. Por isso, talvez, Ele não predisse: tentarás fugir desse
inferno que virou a tua vida, pedirás o divórcio, mas o advogado
dela exigirá até o teu último centavo.
Por
outro lado, Deus ordenou à mulher: “Procurarás compaixão a quem
serás sujeita, o teu marido”, sem prevenir que ela estaria sujeita
a um sujeito tão complicado e, o que é pior, sem determinar se ela
precisava se sujeitar inclusive ao sapato dele no meio da sala.
Além
disso, Ele esqueceu de comunicar detalhes importantíssimos como:
acreditarás em tudo o que o teu marido disser e te darás muito mal,
comprarás um brinco novo e ele não perceberá, aguardarás flores,
todas as manhãs, e elas não chegarão nunca. (A não ser que teu
marido cometa uma besteira muito grande, minha filha.)
Deus
disse à mulher: “os teus filhos hão de nascer entre dores”. É
verdade.
Mas
Ele não avisou: e para te ajeitares depois, só com quinhentos
abdominais por dia ou uma lipo. Nem lembrou de anunciar: bebês
acordam a noite inteira, principalmente se tiverdes uma reunião no
dia seguinte. Nem informou: e quando eles crescerem, aí verás o que
é bom, pois teus filhos não amarrarão os cadarços dos tênis, não
avisarão que vão chegar mais tarde, julgar-te-ão uma chata e não
sairão do telefone.
O
fato é que a bagunça que virou este mundo de Deus (sem falar na
programação da televisão) tomou proporções tão gigantescas que
o mínimo que a gente pode fazer agora é inventar outro final pra
essa história: até que os homens tomaram vergonha na cara e reinou
para sempre a paz, o amor e a felicidade.
E
Deus viu que isso era bom e ficou satisfeitíssimo com o resultado.
Adriana
Falcão, in O doido da garrafa
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