Paysage
aux Oiseaux Jaunes (1923), de Paul Klee
Se
eu me demorar demais olhando Paysage aux Oiseaux Jaunes
(Paisagem com Pássaros Amarelos, de Klee), nunca mais poderei voltar
atrás. Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante.
Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da
liberdade. O hábito que temos de olhar através das grades da
prisão, o conforto que traz segurar com as duas mãos as barras
frias de ferro. A covardia nos mata. Pois há aqueles para os quais a
prisão é a segurança, as barras um apoio para as mãos. Então
reconheço que conheço poucos homens livres. Olho de novo a paisagem
e de novo reconheço que covardia e liberdade estiveram em jogo. A
burguesia total cai ao se olhar Paysage aux Oiseaux Jaunes.
Minha coragem, inteiramente possível, me amedronta. Começo até a
pensar que entre loucos há os que não são loucos. E que a
possibilidade, a que é verdadeiramente, não é para ser explicada a
um burguês quadrado. E à medida que a pessoa quiser explicar se
enreda em palavras, poderá perder a coragem, estará perdendo a
liberdade. Les Oiseaux Jaunes não pede sequer que se o
entenda: esse grau é ainda mais liberdade: não ter medo de não ser
compreendido. Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo
o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão
burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser
livre, tudo eu aguentava – só para não ser livre.
Clarice
Lispector, in Aprendendo a viver
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