Não
sei se muitos fizeram essa descoberta – sei que eu fiz. Também sei
que descobrir a terra é lugar-comum que há muito se separou do que
exprime. Mas todo homem deveria em algum momento redescobrir a
sensação que está sob descobrir a terra.
A
mim aconteceu na Itália, durante uma viagem de trem. Não é
necessário que seja a Itália.
Poderia
ser em Jacarepaguá. Mas era a Itália. O trem avançava e, depois de
uma noite mal dormida em companhia de uma sueca que só falava sueco,
depois de uma xícara de café ordinário com cheiro de estação
ferroviária – eis a terra através das vidraças. A doçura da
terra italiana. Era começo de primavera, mês de março. Também não
precisaria ser primavera. Precisava ser apenas – terra. E quanto a
esta, todos a têm sob os pés. Era tão estranho sentir-se viver
sobre uma coisa viva. Os franceses, quando estão nervosos, dizem que
estão sur le quivive. Nós estamos perpetuamente sobre o que
viver.
E
à terra retornaremos. Ah, por que não nos deixaram descobrir
sozinhos que à terra retornaremos: fomos avisados antes de
descobrir. Com grande esforço de recriação descobri que: à terra
retornaremos. Não era triste, era excitante. Só em pensar, já me
sentia rodeada desse silêncio da terra. Desse silêncio que a gente
prevê e que procura antes do tempo concretizar.
De
algum modo tudo é feito de terra. Um material precioso. Sua
abundância não o torna menos raro de sentir – tão difícil é
realmente sentir que tudo é feito de terra. Que unidade. E por que
não o espírito também? Meu espírito é tecido pela terra mais
fina. A flor não é feita de terra? E pelo fato de tudo ser feito de
terra – que grande futuro inesgotável nós temos. Um futuro
impessoal que nos excede. Como a raça nos excede.
Que
dom nos fez a terra separando-nos em pessoas – que dom nós lhe
fazemos não sendo senão: terra. Nós somos imortais. E eu estou
emocionada e cívica.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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