domingo, 9 de abril de 2017

De um diário íntimo do século trinta

Tenho 9 anos. Meu nome é Gavrilo. Meu professor só hoje me permitiu uma ida ao Jardim Botânico, por causa da minha redação sobre a fórmula de Einstein. Elogiou em aula o meu trabalho porque, disse ele, em vez de dar-lhe uma interpretação, como fazem todas as crianças, eu me limitei a dizer que aquela simples fórmula era uma coisa tão absurda e maravilhosa e inacreditável como as lendas pré-históricas, por exemplo a Lâmpada de Aladino ou a Vida de Napoleão e seu Cavalo Branco. Por isso começo hoje o meu diário, que eu devia ter começado aos 7 anos. Mas nessa idade a gente só escreve coisas assim: “A Adalgiza caminha como um saca-rolha” ou “Pusemos na Inspetora Geral do Ensino o apelido de Dona Programática”. Pois lá me fui com outros meninos e meninas que também tinham merecido menção pública ao Jardim Botânico, que me pareceu pequeno porque constava apenas de uma cúpula de vidro. Havia uma fila enorme de turistas e visitantes domingueiros. Lá dentro não era apenas ar condicionado, era um vento leve, uma “brisa”, explicou-nos o professor. Uma brisa que agitava os cabelos da gente e as folhas da árvore. Sim, porque lá dentro só havia uma árvore, a única árvore do mundo e que se chamava simplesmente “a árvore”, pois não havia razão para a diferenciar de outras. Suas folhas agitavam-se e tinham um cheiro verde. Não sei se me explico bem. Não importa: este diário é secreto e será queimado publicamente com outros, de autoria dos meninos da minha idade, quando atingirmos os 13 anos. Dona Programática nos explicou a necessidade destes diários porque, “para higiene da alma e preservação do indivíduo, todos têm direito a uma vida secreta, ao contrário do que acontecia nos tempos da Inquisição, da Censura, dos sucessores do Dr. Sigmund Freud e dos entrevistadores jornalísticos”.
Isto diz a Dona Programática. Mas o nosso professor de Redação, que não é tão cheio de coisas, diz que estes nossos diários secretos servem para a gente dizer besteiras só por escrito em vez de as dizer em voz alta.
Na próxima vez tratarei de fazer uma boa redação sobre a Árvore para ver se ganho o prêmio de uma visita ao Zoo — onde está o Cavalo. Andei indagando dos grandes sobre este nosso cavalo e me disseram que não, que ele não era branco. Uma pena…
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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