O ENCONTRO (praia, montanha, parque,
carnaval, noite, dia, festa, bar, escritório, rua, shopping, pátio
de escola ou engarrafamento).
Ele olha para ela, ela olha para ele.
Ele fica na dúvida.
Ela tem quase certeza.
Ele só queria ser Humphrey Bogart, mesmo
que nunca tenha ouvido falar nesse nome.
Ela só queria acreditar.
O fato é que eles terminam juntos.
Algumas considerações, uma pequena
confissão, nenhuma promessa, um beijinho só.
Então começa.
UM MÊS DEPOIS (em qualquer lugar).
É claro que ele está atrasado. É claro
que ela está esperando. E se ele não vier?
Veio. Chega bastante ofegante, mas finge
que não estava com pressa.
— Você veio correndo?
— Eu? Não. Eu tenho asma.
Tem asma, herpes, astigmatismo, essa
calça listrada horrorosa, é atrasado, irresponsável, desajeitado,
doido, será que é apenas isso ou ainda tem mais algum defeito?
Ela é totalmente incompreensível,
nervosa, uma chata. Mas é tão engraçadinha, ele pensa.
Então dá um beijo de desculpa nela e a
tática funciona.
O CASAMENTO (cartório, igreja ou
caminhão de mudança).
É claro que vai dar certo. Não vai? Vai
sim. Sei não.
Esse negócio de casamento é muito
difícil hoje em dia.
Casamento sempre foi difícil.
Por que as pessoas casam, então?
Pra ficar junto, amar, ser feliz, não
sei o que, não sei o que lá, essas coisas de letra de música.
Por que, no fundo, todo mundo é
romântico, sabe?
Sei.
Quero ver daqui a cinco anos.
DAQUI A CINCO ANOS (na cozinha?).
Não é que casamento seja ruim, é que a
mesma pessoa, todo dia a mesma coisa, de vez em quando cansa um
pouco, é isso, e depois criança pequena dá trabalho demais, meu
Deus, deviam ter avisado antes. Avisaram. Eu sei. É que a gente
nunca escuta quando está apaixonado, fica surdo, fica tonto,
abobalhado, fica feliz demais, uma coisa meio louca, lembra? Aquela
noite? Cinco horas da manhã e a gente lá dançando. Não queria nem
saber de nada de negócio de dinheiro, de negócio de família, de
negócio de trabalho no outro dia. Não queria. Nem saber. Agora é
fralda, mamadeira, IPVA de carro, supermercado, gripe, quer tomar
outra cerveja? Agora não posso. Não devo. Tenho contas a pagar, sou
pessoa responsável. Uma cerveja só, tá? Então tá. Já são cinco
da manhã. Quer dançar? Quero.
DEZ ANOS DEPOIS (dentro da cabeça).
Tá passando. A vida tá passando. A vida
tá passando. Será que é essa vida que eu quero? Será que ainda dá
tempo de viver outra? Eu quero outra ou quero essa? Não posso
afirmar muito bem, assim, com certeza absoluta. Se pudesse guardar
essa vida na gaveta e ir lá fora pensar um pouco... Às vezes eu
tenho essa dúvida. Mas depois passa. Tá passando.
DEPOIS DE TUDO (juntos. Ou separados).
Tirando os problemas todos até que foi
bom, foi ruim, foi médio, engraçado, meio triste, uma desgraça!,
foi impossível, tá certo, foi chatíssimo, foi péssimo inclusive,
mas também foi muito divertido, eu diria até que foi ótimo,
excelente mesmo, foi perfeito, não foi?
E além de tudo ainda teve cada beijo!
Adriana Falcão, in O doido da
garrafa
Nenhum comentário:
Postar um comentário