sábado, 4 de março de 2017

Um casal perfeito

O ENCONTRO (praia, montanha, parque, carnaval, noite, dia, festa, bar, escritório, rua, shopping, pátio de escola ou engarrafamento).
Ele olha para ela, ela olha para ele.
Ele fica na dúvida.
Ela tem quase certeza.
Ele só queria ser Humphrey Bogart, mesmo que nunca tenha ouvido falar nesse nome.
Ela só queria acreditar.
O fato é que eles terminam juntos.
Algumas considerações, uma pequena confissão, nenhuma promessa, um beijinho só.
Então começa.

UM MÊS DEPOIS (em qualquer lugar).
É claro que ele está atrasado. É claro que ela está esperando. E se ele não vier?
Veio. Chega bastante ofegante, mas finge que não estava com pressa.
Você veio correndo?
Eu? Não. Eu tenho asma.
Tem asma, herpes, astigmatismo, essa calça listrada horrorosa, é atrasado, irresponsável, desajeitado, doido, será que é apenas isso ou ainda tem mais algum defeito?
Ela é totalmente incompreensível, nervosa, uma chata. Mas é tão engraçadinha, ele pensa.
Então dá um beijo de desculpa nela e a tática funciona.

O CASAMENTO (cartório, igreja ou caminhão de mudança).
É claro que vai dar certo. Não vai? Vai sim. Sei não.
Esse negócio de casamento é muito difícil hoje em dia.
Casamento sempre foi difícil.
Por que as pessoas casam, então?
Pra ficar junto, amar, ser feliz, não sei o que, não sei o que lá, essas coisas de letra de música.
Por que, no fundo, todo mundo é romântico, sabe?
Sei.
Quero ver daqui a cinco anos.

DAQUI A CINCO ANOS (na cozinha?).
Não é que casamento seja ruim, é que a mesma pessoa, todo dia a mesma coisa, de vez em quando cansa um pouco, é isso, e depois criança pequena dá trabalho demais, meu Deus, deviam ter avisado antes. Avisaram. Eu sei. É que a gente nunca escuta quando está apaixonado, fica surdo, fica tonto, abobalhado, fica feliz demais, uma coisa meio louca, lembra? Aquela noite? Cinco horas da manhã e a gente lá dançando. Não queria nem saber de nada de negócio de dinheiro, de negócio de família, de negócio de trabalho no outro dia. Não queria. Nem saber. Agora é fralda, mamadeira, IPVA de carro, supermercado, gripe, quer tomar outra cerveja? Agora não posso. Não devo. Tenho contas a pagar, sou pessoa responsável. Uma cerveja só, tá? Então tá. Já são cinco da manhã. Quer dançar? Quero.

DEZ ANOS DEPOIS (dentro da cabeça).
Tá passando. A vida tá passando. A vida tá passando. Será que é essa vida que eu quero? Será que ainda dá tempo de viver outra? Eu quero outra ou quero essa? Não posso afirmar muito bem, assim, com certeza absoluta. Se pudesse guardar essa vida na gaveta e ir lá fora pensar um pouco... Às vezes eu tenho essa dúvida. Mas depois passa. Tá passando.

DEPOIS DE TUDO (juntos. Ou separados).
Tirando os problemas todos até que foi bom, foi ruim, foi médio, engraçado, meio triste, uma desgraça!, foi impossível, tá certo, foi chatíssimo, foi péssimo inclusive, mas também foi muito divertido, eu diria até que foi ótimo, excelente mesmo, foi perfeito, não foi?
E além de tudo ainda teve cada beijo!
Adriana Falcão, in O doido da garrafa

Nenhum comentário:

Postar um comentário