“Pinta-se
o Amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de
Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão, e amar,
são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a
ser? Uma vontade com afetos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor
vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o
primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade
febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor
deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se
é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o
entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse
fraqueza no juízo. Por isso os mesmos Pintores do Amor lhe vendaram
os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do
amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se
chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes têm de
ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é
amante; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância
na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.
Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente; quem,
ignorando, amou, em rigor não é amante.”
Padre
Antônio
Vieira, in
Sermões
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