terça-feira, 14 de março de 2017

Nos primórdios

Era só água e sol de primeiro este recanto. Meninos cangavam sapos. Brincavam de primo com prima. Tordo ensinava o brinquedo “primo com prima não faz mal: finca finca”. Não havia instrumento musical. Os homens tocavam gado. As coisas ainda inominadas. Como no começo dos tempos.
Logo se fez a piranha. Em seguida os domingos e feriados. Depois os cuiabanos e os beira-corgos. Por fim o cavalo e o anta batizado.
Nem precisaram dizer crescei e multiplicai. Pois já se faziam filhos e piadas com muita animosidade.
Conhecimentos vinham por infusão pelo faro dos bugres pelos mascates.
O homem havia sido posto ali nos inícios para campear e hortar. Porém só pensava em lombo de cavalo. De forma que só campeava e não hortava.
Daí que campear se fez de preferência por ser atividade livre e andeja. Enquanto que hortar prendia o ente no cabo da enxada. O que não era bom.
No começo contudo enxada teve seu lugar. Prestava para o peão encostar-se nela a fim de prover seu cigarrinho de palha. Depois, com o desaparecimento do cigarro de palha, constatou-se a inutilidade das enxadas.
O homem tinha mais o que não fazer!
Foi muito soberano mesmo no começo dos tempos este cortado. Burro não entrava em seus pastos. Só porque burro não pega perto*. Porém já hoje há quem trate os burros como cavalo. O que é uma distinção.
* Burro não pega perto é expressão pantaneira. Nas lides de campear o pantaneiro usa o cavalo, que é veloz e alcança a rês desgarrada rapidamente. O cavalo pega perto. Mas o burro, não sendo veloz, alcança longe a rês desgarrada. Por isso se diz que o burro não pega perto. (N.A.)
Manoel de Barros, in Meu quintal é maior que o mundo

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