segunda-feira, 13 de março de 2017

Beijos


Os beijos nos filmes mudos, na década de 1920, eram mais emocionantes. Notem, eu disse emocionantes, não disse excitantes. E isso porque o beijo requeria dos dois parceiros um conhecimento de artes marciais, em especial do judô. Era assim: o homem e a mulher estão juntos, um diante do outro. Aí o homem avança a sua perna direita pelo lado direito da mulher, até ultrapassá-la. Em seguida, usando seus quadris como ponto de apoio de uma alavanca interfixa, aplica-os firmemente à parte exterior do quadril direito da mulher. Ato contínuo, usando o braço direito, abraça a costela esquerda da mulher, exercendo pressão sobre ela, ao mesmo tempo que executa um movimento de tronco no sentido da sua esquerda, provocando o desequilíbrio da mulher num movimento de gangorra, sobre o apoio do quadril. Desequilibrada, a mulher começa um movimento de queda para a sua direita, movimento esse que tem de ser interrompido pelo braço esquerdo do homem. Esse movimento provoca um desvio do centro de gravidade do sistema de forças que, se não for compensado, irá provocar a queda dos dois. Sabendo disso, o homem faz avançar vigorosamente a sua perna esquerda, restabelecendo-se, assim, o equilíbrio do sistema. Nesse momento, a mulher está apoiada na coxa esquerda do homem, que segura sua cabeça também com a mão esquerda. Foram assim executados os movimentos marciais preliminares necessários para se atingir a posição do beijo. O homem, de cabelo empastado com brilhantina, dá um beijo rápido, sem língua, na boca da mulher que, a seguir, desfalece de emoção. Disse que os beijos eram mais emocionantes. E isso porque a atenção dos espectadores ficava toda concentrada no espetáculo de judô, alavancas, pontos de apoio, equilíbrios, desequilíbrios, aflitos ante a possibilidade de que os dois caíssem no chão. Mas se isso acontecesse o beijo deixaria de ser emocionante e passaria a ser excitante. Porque beijar no chão é outra coisa... Pra se dar um beijo, naqueles tempos, era necessário fazer um curso de física mecânica.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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