No
início de 2010, o arquiteto americano Bryan Berg terminou o que
ainda é considerado o maior castelo de cartas do mundo. Com mais de
quatro mil baralhos, Berg construiu uma imponente réplica do
Venetian Macao-Resort-Hotel, na China, com três metros de altura e
nove de largura. Ao observar aquela incrível estrutura, vi ali uma
espécie de metáfora do mundo altamente complexo e interligado em
que vivemos hoje. Um camundongo correndo ou o espirro inoportuno de
um visitante poderiam, em um segundo, botar abaixo o castelo que o
americano levou 44 dias para erguer. O mesmo vale para as
fragilíssimas infraestruturas das quais dependemos em nossa vida
diária.
Todo
o mundo industrializado está à mercê de uma injeção contínua de
tecnologia cada vez mais avançada. Além disso, os sistemas que
sustentam nosso estilo de vida estão completamente entrelaçados: a
internet depende da rede elétrica, que por sua vez precisa do
abastecimento de energia do petróleo, carvão mineral e fissão
nuclear, que também depende de tecnologias de produção que, da
mesma forma, exigem eletricidade. E assim nos encontramos — um
sistema apoiado sobre outro que também se equilibra sobre outro,
tudo interligado. A sociedade moderna é exatamente como o “cassino
de Berg”, em que cada nova carta se aloja sobre as outras. Um
contexto bastante propício para que aquele ratinho em disparada
esbarre numa carta de baixo e derrube a estrutura inteira.
Evidentemente,
a fragilidade da construção é o que valoriza um castelo de cartas.
Isso é ótimo — como passatempo. Mas quem deseja basear todo o seu
estilo de vida num castelo de cartas? Imagine Nova York, Paris ou
Moscou sem energia elétrica por um período indeterminado. Ou,
pensando no longo prazo, o que aconteceria se não surgissem novas
tecnologias durante uma década? O que seria do nosso padrão de
vida?
Boa
pergunta. O que acontece com nosso padrão de vida quando a sedutora
música da tecnologia silencia? Uma pergunta ainda mais instigante: o
que poderia interromper a música? Como todas as perguntas
fundamentais, essa também admite respostas multifacetadas, mas todas
se baseiam num motivo fundamental para explicar como e por que a
tecnologia pode parar. Nas páginas deste livro, afirmo que a música
para, na verdade, porque o agente de mudança, o evento X, puxa o
cabo da tomada. E esses “eventos extremos”, surpreendentes e
impactantes, que desestruturam sistemas, decorrem, eles próprios, da
complexidade crescente das infraestruturas tecnológicas e de outras
criações humanas, as mesmas infraestruturas que sustentam o que
poderia ser chamado, num eufemismo, de vida “normal”. Parte da
questão aqui é demonstrar de forma indiscutível que essa suposta
normalidade foi conquistada ao elevado custo de uma grande
vulnerabilidade e da possibilidade de um colapso nas mãos de uma
gama cada vez mais ampla de eventos X. Como se não bastasse, todos
esses possíveis agentes de mudança têm a mesma raiz: um
conhecimento limitadíssimo dos assombrosos e ilógicos meandros dos
sistemas complexos.
Passei
a maior parte da minha vida profissional explorando a complexidade em
organizações como a RAND Corporation, o Santa Fe Institute e o
International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA). No ano
de 1970, época em que obtive meu Ph.D. em matemática e comecei a
pesquisar sistemas complexos, o mundo era um lugar muito diferente.
Os telefones possuíam discos giratórios, os computadores custavam
milhões de dólares, metade do mundo estava fechada para o
livre-comércio e para viagens, e qualquer um, mesmo sem um diploma
em engenharia elétrica, conseguia consertar seu velho Chevrolet ou
Volkswagen. Aliás, ninguém precisa estudar teoria de sistemas para
ver que nossas vidas e nossas sociedades nunca foram tão dependentes
de tecnologias cada vez mais obscuras. Grande parte dessa dependência
se deve à crescente complexidade da própria tecnologia. A cada ano
que passa, a complexidade de nossos dispositivos e infraestruturas,
desde automóveis até as finanças, redes elétricas e cadeias de
abastecimento alimentar, cresce de maneira exponencial. Uma parcela
desse aumento tem como objetivo garantir um nível de solidez e
proteção contra falhas de sistemas, que em geral funciona apenas
para abalos relativamente inexpressivos e previsíveis. Mas a maior
parte não se justifica. Quem de fato precisa de uma máquina de café
expresso com um microprocessador? Alguém precisa escolher entre
dezessete variedades de ração para cachorro em promoção no
supermercado? Será que é necessário fabricar carros que dependam
de grossos manuais do proprietário para explicar como funcionam os
bancos elétricos, o sistema de GPS e outras parafernálias
incluídas?
Esses
pequenos exemplos cotidianos de aumento de complexidade costumam ser
vendidos como histórias de sucesso tecnológico. Mas serão mesmo?
Seria possível alegar, com muita propriedade, que o caso aqui é de
fracasso tecnológico, sucesso nenhum, se contabilizarmos o tempo que
gastamos analisando os ingredientes das rações de cachorro
disponíveis antes de fazermos uma escolha que é mais ilusória do
que real ou se levarmos em consideração a frustração que sentimos
ao folhear o manual do proprietário em busca da página que explica
como acertar a hora no relógio do nosso carro novo. Mas adicionais
indesejados/desnecessários num carro novo ou diferenças quase
imperceptíveis no supermercado são aborrecimentos pequenos, até
mesmo ridículos. (In)felizmente, não precisamos ir muito longe para
encontrar casos de excesso de complexidade que realmente preocupam.
Basta ler a primeira página de qualquer jornal diário.
Encontraremos manchetes sobre o mais recente capítulo da contínua
saga do instável sistema financeiro global, o fracasso dos
mecanismos de segurança em usinas nucleares e/ou a inviabilidade das
negociações sobre tarifas e comércio destinadas à reestruturação
do processo de globalização. Essas histórias já seriam
suficientes para provocar arrepios em qualquer ser humano. Ainda mais
assustador, entretanto, é o fato de que aquilo que se divulga
publicamente ainda é pouco em comparação ao que de fato ocorre,
como as páginas deste livro comprovarão.
A
ciência da complexidade como disciplina reconhecida existe há pelo
menos duas décadas. Portanto, qual a urgência de se chamar a
atenção do público para a mensagem sobre complexidade e eventos
extremos neste momento? A razão é muito simples: nunca antes na
história da humanidade os seres humanos estiveram tão vulneráveis
a um gigantesco, quase inacreditável, downsizing em seu modo
de viver quanto hoje em dia. As infraestruturas necessárias para
manter um estilo de vida pós-industrial — energia, água, comida,
comunicação, transporte, saúde, segurança, finanças — são tão
interligadas que, se um sistema espirrar, os outros pegam pneumonia
na mesma hora. Este livro delineia as dimensões do(s) problema(s)
que enfrentamos na atualidade, suas origens e o que podemos fazer
para reduzir o risco de uma pane total do sistema, levando-se em
consideração que, neste caso, a própria civilização humana é “o
sistema”.
John
Casti, in O colapso de tudo
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