Mal
ele entrou em casa, a mulher o tomou pelas mãos, ansiosa:
–
Estava aflita para você chegar.
E
sussurrou, apontando dramaticamente para os lados da cozinha:
– Tem
um homem no quarto da Valdirene.
Sacudiu
a cabeça com irritação:
– Desde
o primeiro dia eu achei que essa menina não era boa coisa. Ela nunca
me enganou.
Valdirene,
a jovem empregada, uma mulata de olhos grandes, não faria feio num
palco.
– Como
e que você sabe? – perguntou ele, para ganhar tempo. Não
partilhava da opinião da mulher: desde o primeiro dia achou que a
Valdirene era ótima.
– Sei
porque vi. Escutei um ruído qualquer ai fora no corredor, olhei pelo
olho mágico, e vi quando ela punha ele para dentro pela porta de
serviço.
– Ele
quem?
– O
homem. Não sei quem é, só sei que é um homem. Deve ser o namorado
dela, ou o amante, tanto faz. O certo e que os dois estão trancados
lá no quarto faz um tempão.
– Vai
ver que já saiu.
– Não
saiu não, que eu não sou boba, fiquei de olho. Esta lá dentro com
ela até agora.
– E
o que e que você quer que eu faça?
– Quero
que bote ele pra fora, essa e boa.
– Por
quê?
Ela
botou as mãos na cintura:
– Por
quê? Você ainda pergunta por que? Então tem cabimento a gente
deixar que a empregada receba homens no quarto dela? O que e que essa
menina está pensando que minha casa é? Um motel? Se você não for
lá, eu mesma vou.
–
Espera ai, vamos com calma, mulher. Você
tem razão, mas deixa a gente raciocinar um pouco. Não podemos é
perder a cabeça. Pode ser perigoso. Como é que ele é?
– Não
cheguei a ver direito. Só vi que era um homem. Para mim, basta.
– Não
posso ir lá no quarto dela sem mais nem menos. Quem sabe é algum
parente? Um irmão, talvez…
– Um
irmão, talvez… Você tem cada uma! Pior ainda: que é que um irmão
tem de ficar fazendo trancado no quarto com a irmã como eles dois
estão? Você tem de pôr esse homem pra fora.
– E
se estiver armado? Ele pode muito bem estar armado.
– Já
que você está com medo…
– Não
estou com medo. Só que temos de agir com calma. Vamos ver como a
gente sai dessa. Deixa comigo.
Ele
respirou fundo e se meteu pela cozinha, ganhou a área de serviço,
ficou à escuta. Nada, tudo quieto e às escuras no quarto da
Valdirene. Bateu de leve na porta:
–
Valdirene.
Via-se
pelas frestas da veneziana na própria porta que o quarto continuava
no escuro. Ele bateu de novo:
–
Valdirene, está me ouvindo? Valdirene!
Escutou
alguém se mexendo lá dentro e a voz estremunhada da moça:
–
Senhor?
– Tem
alguém com você ai dentro, Valdirene?
– Tem
não senhor.
– Abra
um instante, por favor.
Em
pouco ela abria a porta, furtivamente, e o encarava sem piscar.
Vestia um baby-doll pequenino e transparente que, sob a luz mortiça
vinda da área, deixava quase todo seu corpo à mostra.
–
Acenda essa luz, minha filha.
Mais
para vê-la melhor do que para olhar o quarto, pois mesmo no escuro
podia-se verificar que ali dentro não havia mais ninguém. Luz
acesa, ela se protegia discretamente com os braços, enquanto ele
dava uma olhada rápida por cima do seu ombro:
– Tudo
bem. Desculpe o incômodo. Boa noite.
Voltou
para a sala, onde a mulher o aguardava, tensa de expectativa. – E
então?
– Não
tem ninguém.
– Como
não tem ninguém? Pois se eu vi o homem entrando!
– Se
viu entrando, não viu saindo. O certo é que não tem ninguém no
quarto da Valdirene, além dela própria. Vamos dormir.
– Como
é que eu posso ir dormir sabendo que tem um estranho dentro de casa?
Você vai voltar lá e olhar direito.
– Eu
olhei direito. Se não acredita, vai lá e olha você.
– Quem
e o homem nesta casa? Se você não for olhar eu não fico aqui
dentro nem mais um minuto. Vou direto à polícia.
Ele
ergueu os braços e os deixou cair, com um suspiro resignado:
– Essa
mulher, meu Deus. Agora é você que está com medo. Direto à
polícia. Como se fosse um crime… Tudo bem, eu vou lá olhar
direito.
Voltou
a bater na porta da empregada:
–
Valdirene.
Desta
vez ela respondeu logo:
–
Senhor?
– Abra
ai um instante, por favor.
– Sim
senhor.
Ela
abriu e foi logo acendendo a luz. Estimulado pela nova oportunidade
de vê-la tão de perto, ele perdeu a cerimônia e entrou no quarto.
Sempre de olho nela e ouvido atento à mulher lá na sala. Ali dentro
só cabia a cama e o armariozinho com uma cortina, atrás da qual
ninguém poderia se esconder. Ainda assim ergueu o pano para se
certificar. Satisfeito, voltou-se para a moça que, ao sentir seus
olhos tão próximos, abaixara modestamente os dela:
–
Desculpe, minha filha. É que minha
mulher, você sabe, quando ela cisma uma coisa… Mas pode dormir
sossegada. Boa noite.
Na
sala, a mulher voltou a questioná-lo:
– Você
olhou direito desta vez?
– Não
há como olhar errado. Um quarto deste tamaninho! Olhei o que tinha
para olhar: a Valdirene e a cama.
– A
Valdirene e a cama? O que você quer dizer com isso?
– Não
quero dizer coisa nenhuma. É que ali dentro não cabe mais nada além
da Valdirene e da cama.
– Não
é isso que parece estar insinuando, com essa sua cara.
– Que
é que tem minha cara? Você é que insinuou que tinha um homem lá
dentro, não fui eu. Não me admiraria nada. Mas acontece que não
tem. Só faltou olhar debaixo da cama.
– Não
admiraria nada – ela o imitou, com um trejeito. E ordenou, braço
estendido:
– Pois
então vai olhar debaixo da cama.
– Essa
não! – relutou ele: – Já disse que não cabe ninguém…
Mas
acabou indo. Pobre da menina, de novo importunada:
– Me
desculpe, Valdirene, mas é preciso que você abra aí outra vez.
Ela
acendeu a luz, abriu a porta e deu-lhe passagem. Seus olhos o
acompanharam impassíveis, quando ele entrou e se agachou para olhar
debaixo da cama. De quatro, sentindo-se ridículo naquela postura,
ele baixou a cabeça até que a ponta do queixo tocasse o chão, e
enfiou-a sob o estrado. Seu nariz esbarrou de cheio em algo branco e
macio – era nada menos que o traseiro de um homem.
– Oi
– assustou-se, recuando.
– Oi
– fez o homem, como um eco, encolhendo-se ainda mais.
Ele
se ergueu. Perturbado, limpou a garganta, procurando dar firmeza à
voz:
– O
senhor tem um minuto pra sair deste quarto.
Um
último olhar para Valdirene, como a dizer que sentia muito mas não
podia deixar de cumprir o seu dever, e foi ter com a mulher na sala:
– Tinha
sim. Tinha um homem debaixo da cama. Está satisfeita?
– Eu
não disse? E o que é que você fez?
–
Mandei que ele se pusesse pra fora. É o
tempo de se vestir.
– Meu
Deus, ele estava nu?
– Que
é que você queria? Não sei é como ele pôde caber lá debaixo.
Imagino o susto dele. E o da Valdirene, coitadinha.
No
dia seguinte, mal amanheceu, ela despedia a Valdirene, coitadinha.
Fernando
Sabino,
in
O
gato
sou
eu
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