quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Ganhar o jogo (trecho)

Quando não estou lendo um livro que apanho na biblioteca pública, fico vendo um dos programas da TV que mostram a vida dos ricos, os palácios deles, os automóveis, os cavalos, os iates, as joias, os quadros, os móveis raros, a baixela, a adega, a criadagem. É impressionante como os ricos são bem servidos. Não perco um desses programas, ainda que não me sejam de muita utilidade, a totalidade desses ricos não vive no meu país. Mas gostei de ouvir um milionário entrevistado durante o jantar dizer que adquiriu um iate no valor de centenas de milhões de dólares porque queria ter um iate maior do que o de um outro sujeito rico. ‘Era a única maneira de acabar com a inveja que eu sentia dele’ confessou, sorrindo, dando um gole na bebida do seu copo. Os comensais à sua volta riram muito quando ouviram aquilo. Rico pode ter tudo, até inveja um do outro, e neles isso é engraçado, aliás tudo é divertido. Eu sou pobre e a inveja em pobre é muito malvista, porque inveja deixa pobre recalcado. Junto com a inveja, vem ódio dos ricos, pobre não sabe como ir à forra esportivamente, sem espírito de vingança. Mas eu não sinto raiva de nenhum rico, minha inveja é parecida com a do cara do iate maior: como ele, apenas quero ganhar o jogo.”
Rubem Fonseca, in Pequenas criaturas

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