terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Ecos do carnaval

Com o tempo, o casal desenvolvera um código pra se comunicar de longe nas reuniões sociais. Quando ele esfregava o nariz queria dizer “Vamos embora”. Quando ela puxava o lóbulo da orelha esquerda queria dizer “Cuidado”, geralmente um aviso para ele mudar de assunto. Puxar o lóbulo da orelha direita significava “Pare de beber”. Se ele então girasse a aliança no dedo, era para dizer “Não chateia”. Se depois ela coçasse o queixo, era “Você me paga”. Naquela noite houve confusão nos sinais. Mais tarde, em casa ela gritava: “Você não me viu quase arrancar a orelha esquerda, não?”
Era para ele mudar de assunto, mas ele tinha bebido tanto que confundira a orelha esquerda dela com a direita e pensara que a mensagem era para não beber mais. E, enquanto girava a aliança acintosamente no dedo continuara a contar o caso que tinha ouvido, às gargalhadas. O caso das vassouradas.
Acontecera durante o carnaval. A mulher voltara da praia de surpresa, na quinta de noite, e cruzara na porta de casa com o marido que saía de sarongue. Se não estivesse de sarongue ele teria inventado uma história para justificar a saída àquela hora. Uma súbita vontade de comer pastel, um amigo doente, qualquer coisa. O sarongue inviabilizara qualquer desculpa. Um sarongue não se disfarça, não se explica, não se nega. O sarongue é o limite da tolerância e do diálogo civilizado. E como o diálogo era impossível, a mulher partira para a agressão. Buscara uma vassoura dentro de casa. E correra com o homem para dentro da casa a vassouradas. A vassouradas!
- Você não sabia que foi com eles que isso aconteceu? Com os donos da casa? gritava agora a mulher. E completava: - Seu pamonha!
- Como é que eu ia saber? Me contaram a história, mas não deram os nomes!
- E eu puxando a orelha feito uma doida!
Mais tarde, já na cama, ele racionalizou:
- Bem feito.
- O quê?
- Pra ela. Não se bate num homem com uma vassoura.
- Ah, é? E o sarongue?
- Não interessa. Nada justifica a vassoura.
- Sei não...
- Podia bater. Mas não com vassoura.
E indignado, como se estabelecesse um dogma:
- Vassoura, não!
Aí a mulher disse que o mal já estava feito e o melhor que eles tinham a fazer era repassar o código para que coisas como aquela não acontecessem mais.
Luís Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam

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