Com
o tempo, o casal desenvolvera um código pra se comunicar de longe
nas reuniões sociais. Quando ele esfregava o nariz queria dizer
“Vamos embora”. Quando ela puxava o lóbulo da orelha esquerda
queria dizer “Cuidado”, geralmente um aviso para ele mudar de
assunto. Puxar o lóbulo da orelha direita significava “Pare de
beber”. Se ele então girasse a aliança no dedo, era para dizer
“Não chateia”. Se depois ela coçasse o queixo, era “Você me
paga”. Naquela noite houve confusão nos sinais. Mais tarde, em
casa ela gritava: “Você não me viu quase arrancar a orelha
esquerda, não?”
Era
para ele mudar de assunto, mas ele tinha bebido tanto que confundira
a orelha esquerda dela com a direita e pensara que a mensagem era
para não beber mais. E, enquanto girava a aliança acintosamente no
dedo continuara a contar o caso que tinha ouvido, às gargalhadas. O
caso das vassouradas.
Acontecera
durante o carnaval. A mulher voltara da praia de surpresa, na quinta
de noite, e cruzara na porta de casa com o marido que saía de
sarongue. Se não estivesse de sarongue ele teria inventado uma
história para justificar a saída àquela hora. Uma súbita vontade
de comer pastel, um amigo doente, qualquer coisa. O sarongue
inviabilizara qualquer desculpa. Um sarongue não se disfarça, não
se explica, não se nega. O sarongue é o limite da tolerância e do
diálogo civilizado. E como o diálogo era impossível, a mulher
partira para a agressão. Buscara uma vassoura dentro de casa. E
correra com o homem para dentro da casa a vassouradas. A vassouradas!
-
Você não sabia que foi com eles que isso aconteceu? Com os donos da
casa? gritava agora a mulher. E completava: - Seu pamonha!
-
Como é que eu ia saber? Me contaram a história, mas não deram os
nomes!
-
E eu puxando a orelha feito uma doida!
Mais
tarde, já na cama, ele racionalizou:
-
Bem feito.
-
O quê?
-
Pra ela. Não se bate num homem com uma vassoura.
-
Ah, é? E o sarongue?
-
Não interessa. Nada justifica a vassoura.
-
Sei não...
-
Podia bater. Mas não com vassoura.
E
indignado, como se estabelecesse um dogma:
-
Vassoura, não!
Aí
a mulher disse que o mal já estava feito e o melhor que eles tinham
a fazer era repassar o código para que coisas como aquela não
acontecessem mais.
Luís
Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam
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