sábado, 18 de fevereiro de 2017

Confissão de artista

Como são penetrantes as tardes de outono! Penetrantes até à dor! Há certas sensações deliciosas em que o vazio não exclui a intensidade. E não há ponta mais acerada que a do infinito.
Grande delícia, mergulhar os olhos na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio, incomparável castidade do azul! Pequena vela a tremular no horizonte, cuja fraqueza e isolamento imitam minha irremediável existência. Melodia monótona das ondas. Todas essas coisas pensam por mim, ou eu penso por todas: na grandeza do sonho, o eu logo se perde! Pensam, repito, mas musical e pinturescamente, sem argúcias, sem silogismos, sem deduções.
Todavia, esses pensamentos, que partem de mim ou se precipitam das coisas, logo se tornam demasiado intensos. A energia na volúpia cria uma inquietude e um sofrimento positivos. Meus nervos, tensos demais, dão apenas vibrações agudas e dolorosas.
E agora a profundeza do céu me consterna; exaspera-me a sua limpidez. Revoltam-me a insensibilidade do mar, a imutabilidade do espetáculo... Ah! Será preciso sofrer eternamente, ou evitar eternamente o belo? Natureza, impiedosa feiticeira, rival sempre vitoriosa, deixa-me! Não tentes os meus desejos e o meu orgulho! A contemplação do belo é um combate em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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