O
menino puxou a saía da mãe e queixou-se da dorzinha de cabeça.
Ora, que fosse brincar com o irmão; brincando, a dor passava. Ela já
se atrasara com o jantar.
Reuniu-se
a família em volta da mesa.
— Onde
está o Pedrinho? — perguntou o pai.
—
Brincando lá fora — a mulher
respondeu.
— Não
com a gente — acudiu o irmão.
A
mãe chegou à janela:
—
Vizinha, não viu o Pedrinho?
Voltando
do quarto, onde foi esconder as bolinhas de vidro, o irmão contou
que Pedrinho estava lá, no escuro, ele o maior medroso da família.
—
Deitado de sapato, meu filho!
O
menino tinha os olhos abertos no escuro. O pai acendeu a luz,
alisou-lhe os cabelos e descalçou os sapatos de sola furada.
—
Queria um sapato de tênis, pai.
—
Depois eu compro. Você tem dor?
— Um
pouco.
— Sua
mãe traz uma sopinha.
Choramingou
que não, os olhos fixos na lâmpada.
— Não
olhe para a luz, meu filho!
O
menino pediu que a apagasse.
— Não
tem medo?
Sábado
frio, de garoa. O pai carregou Pedrinho nos braços até a farmácia
da esquina.
Resfriado,
sentenciava o farmacêutico, depois de espiar a língua do menino.
Receitou xarope, uma colher cada duas horas.
Domingo
Pedrinho não quis sair da cama. O irmão cansou de puxar-lhe os
cabelos, ele nem chorou. O pai abriu a janela.
—
Brincar, Pedrinho?
Gemeu
baixinho que não.
— Ainda
dor de cabeça?
—
Pouquinho só.
— Que
conte uma história?
O
menino demorava os olhos na lâmpada apagada. Não fez nem uma
pergunta, prova de que não escutava. Lá fora o irmão corria, aos
gritos.
No
almoço tomou sopinha, à tarde cochilou. A mãe costurava ao lado da
janela e, para saber a hora do xarope, ia olhar o relógio na sala. O
relógio antes no quarto, até que o menino fez sinal com a mão —
de um dia para outro muito branca.
— O
relógio, mãe. Dói...
Doía
o tique-taque na cabeça. A mãe afastou o relógio e, de duas em
duas horas, dava a Pedrinho uma colher do segundo vidro de xarope. O
menino fixava a lâmpada.
Da
cozinha a mãe ouviu que a chamava:
— Água,
mãe. Água.
— Dói
a cabeça, meu filho?
Que
sim com as pálpebras, baixando-as nos olhos vazios. Tateava
distraído no ar. Ela dirigiu-lhe a mão, que se fechou no copo.
Se
era acesa a luz, Pedrinho choramingava. Foi enrolada uma folha de
papel ao redor da lâmpada. O pai bateu na porta da farmácia. O
menino não estava bem, muita febre e aquela dorzinha de cabeça.
— Não
é nada — disse o farmacêutico. — É gripe. Bem atacado da minha
bronquite — e começou a tossir, a mão na boca desdentada.
Dia
seguinte o menino não quis almoçar. A mãe punha-lhe o copo na mão:
ele bebia, olhos fechados. Da cozinha ela ouviu:
—
André, me dá a bolinha. Mãe, olha o
André.
Chegou
à porta, o pano de pratos na mão.
— Que
é, meu filho?
— Nada,
mãe.
— Seu
irmão aqui no quarto?
— Não,
mãezinha. Brincadeira.
A
mulher voltou para a cozinha.
—
André, dá minha bolinha. Mãe, o André
não quer. André me puxando o cabelo, mãe.
Correu
até a esquina, veio com o farmacêutico:
— Seu
Jucá, não acha que pode ser...
— Que
esperança, dona! Ergueu com cuidado a cabeça do menino.
— Ele
gemeu?
— Não.
— A
senhora viu. Se fosse aquela doença, gritava de dor.
— Não
pára de gemer, o coitadinho.
Às
seis horas, de volta do emprego, o pai entrou no quarto.
— Ele
gemeu o dia inteiro — advertiu a mulher.
— Que
tem o meu hominho?
— Dor,
pai.
— Já
passa, meu filho.
Não
se mexia na cama, muito grande para ele, olhos abertos no escuro.
Choramingava, ainda dormindo. O pai saltava da cadeira, vinha
afagar-lhe a cabeça: pegava fogo.
De
manhã pediu as bolinhas coloridas de vidro. Bulia com elas debaixo
do lençol.
Tornando
do emprego, o pai viu da esquina os vizinhos diante da casa.
— Que
demorou tanto, homem de Deus?
A
mulher chorava de pé, a cabeça apoiada na parede. Uma vizinha
esfregava vinagre nos pulsos do menino desmaiado. Debruçou-se o pai
na cama — a criança virou o branco dos olhos.
—
Pedrinho, Pedrinho.
Rilhava
os dentes que nem ataque de bichas. Roxo de tanto se retorcer, o
corpo em arco da nuca ao calcanhar. Depois de cada convulsão fechava
penosamente os olhos.
Uma
mosca veio importuná-lo, retirou a mão da coberta a fim de
espantá-la. Ela corria pelo rosto, o menino dava tapas na orelha. O
pai alisou-lhe os cabelos, sem ver a mosca.
— Psiu,
psiu... Durma, filhinho.
Com
sede, o piá estalava os lábios. A gemer, não deixou que lhe
inclinassem a cabeça, rolando-a no travesseiro. Fechava a mão vazia
sem alcançar o copo. Súbito uma volta na cama.
—
Variando, o pobre — disse a vizinha.
Ao
estendê-lo no colchão, o pai verificou estar com um braço e uma
perna paralisados.
Aquela
mosca voltou a voar, ele a espantava com a mão livre. O pai
segurou-lhe os dedos — “Psiu, Psiu”.
A
mãe foi erguer-lhe a cabeça e Pedrinho gritou. De noite, a criança
de olhos perdidos na lâmpada. Com o abajur de papel verde, não lhe
doíam os olhos. A mulher saiu do quarto, o pai abanou a mão diante
do rosto de Pedrinho: estava cego.
Às
onze horas o menino voltou a gemer.
— Tem
dodói, meu filho?
Rígido
na cama, olho preso na lâmpada. O pai chamou a mulher; assim que viu
o filho, ela começou a chorar. Debatia-se com a mão livre, um
gemido lá no fundo. Engolindo em seco, agitava a cabeça no
travesseiro molhado de suor. A boca torta queria morder a orelha como
um cachorrinho morde as pulgas.
A
mãe rezava de joelhos ao lado da cama. Pedrinho de olho parado, ela
soltou um grito:
—
Morreu ... Meu filhinho morreu!
— Não
chore, mulher. Sou o pai, não estou chorando.
O
pai deu-lhe banho, com um parente. O menino permaneceu duro sobre a
bacia, não se deixou sentar na água. Depois a mãe vestiu-o como se
fosse domingo: calça azul, blusa branca, o paletó de homenzinho.
Não calçou os sapatos velhos. Abraçou-se com ele, que fosse
enterrada no mesmo caixão — o filho tinha medo do escuro.
O
pai comprou os sapatos: dois números maiores. Com o embrulho no
braço viu, entre quatro velas acesas, o piá que dormia sobre a
mesa. Enfiou no pé frio o sapato branco de tênis.
Ao
pentear-lhe os cabelos loiros, a cabeça ainda em fogo. Encolheu-se
no canto, acendeu um cigarro. Caiu-lhe o cigarro da boca e partiu-se
o coração em sete pedaços.
Dalton
Trevisan, in Novelas nada exemplares
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