terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Pedrinho

O menino puxou a saía da mãe e queixou-se da dorzinha de cabeça. Ora, que fosse brincar com o irmão; brincando, a dor passava. Ela já se atrasara com o jantar.
Reuniu-se a família em volta da mesa.
Onde está o Pedrinho? — perguntou o pai.
Brincando lá fora — a mulher respondeu.
Não com a gente — acudiu o irmão.
A mãe chegou à janela:
Vizinha, não viu o Pedrinho?
Voltando do quarto, onde foi esconder as bolinhas de vidro, o irmão contou que Pedrinho estava lá, no escuro, ele o maior medroso da família.
Deitado de sapato, meu filho!
O menino tinha os olhos abertos no escuro. O pai acendeu a luz, alisou-lhe os cabelos e descalçou os sapatos de sola furada.
Queria um sapato de tênis, pai.
Depois eu compro. Você tem dor?
Um pouco.
Sua mãe traz uma sopinha.
Choramingou que não, os olhos fixos na lâmpada.
Não olhe para a luz, meu filho!
O menino pediu que a apagasse.
Não tem medo?
Sábado frio, de garoa. O pai carregou Pedrinho nos braços até a farmácia da esquina.
Resfriado, sentenciava o farmacêutico, depois de espiar a língua do menino. Receitou xarope, uma colher cada duas horas.
Domingo Pedrinho não quis sair da cama. O irmão cansou de puxar-lhe os cabelos, ele nem chorou. O pai abriu a janela.
Brincar, Pedrinho?
Gemeu baixinho que não.
Ainda dor de cabeça?
Pouquinho só.
Que conte uma história?
O menino demorava os olhos na lâmpada apagada. Não fez nem uma pergunta, prova de que não escutava. Lá fora o irmão corria, aos gritos.
No almoço tomou sopinha, à tarde cochilou. A mãe costurava ao lado da janela e, para saber a hora do xarope, ia olhar o relógio na sala. O relógio antes no quarto, até que o menino fez sinal com a mão — de um dia para outro muito branca.
O relógio, mãe. Dói...
Doía o tique-taque na cabeça. A mãe afastou o relógio e, de duas em duas horas, dava a Pedrinho uma colher do segundo vidro de xarope. O menino fixava a lâmpada.
Da cozinha a mãe ouviu que a chamava:
Água, mãe. Água.
Dói a cabeça, meu filho?
Que sim com as pálpebras, baixando-as nos olhos vazios. Tateava distraído no ar. Ela dirigiu-lhe a mão, que se fechou no copo.
Se era acesa a luz, Pedrinho choramingava. Foi enrolada uma folha de papel ao redor da lâmpada. O pai bateu na porta da farmácia. O menino não estava bem, muita febre e aquela dorzinha de cabeça.
Não é nada — disse o farmacêutico. — É gripe. Bem atacado da minha bronquite — e começou a tossir, a mão na boca desdentada.
Dia seguinte o menino não quis almoçar. A mãe punha-lhe o copo na mão: ele bebia, olhos fechados. Da cozinha ela ouviu:
André, me dá a bolinha. Mãe, olha o André.
Chegou à porta, o pano de pratos na mão.
Que é, meu filho?
Nada, mãe.
Seu irmão aqui no quarto?
Não, mãezinha. Brincadeira.
A mulher voltou para a cozinha.
André, dá minha bolinha. Mãe, o André não quer. André me puxando o cabelo, mãe.
Correu até a esquina, veio com o farmacêutico:
Seu Jucá, não acha que pode ser...
Que esperança, dona! Ergueu com cuidado a cabeça do menino.
Ele gemeu?
Não.
A senhora viu. Se fosse aquela doença, gritava de dor.
Não pára de gemer, o coitadinho.
Às seis horas, de volta do emprego, o pai entrou no quarto.
Ele gemeu o dia inteiro — advertiu a mulher.
Que tem o meu hominho?
Dor, pai.
Já passa, meu filho.
Não se mexia na cama, muito grande para ele, olhos abertos no escuro. Choramingava, ainda dormindo. O pai saltava da cadeira, vinha afagar-lhe a cabeça: pegava fogo.
De manhã pediu as bolinhas coloridas de vidro. Bulia com elas debaixo do lençol.
Tornando do emprego, o pai viu da esquina os vizinhos diante da casa.
Que demorou tanto, homem de Deus?
A mulher chorava de pé, a cabeça apoiada na parede. Uma vizinha esfregava vinagre nos pulsos do menino desmaiado. Debruçou-se o pai na cama — a criança virou o branco dos olhos.
Pedrinho, Pedrinho.
Rilhava os dentes que nem ataque de bichas. Roxo de tanto se retorcer, o corpo em arco da nuca ao calcanhar. Depois de cada convulsão fechava penosamente os olhos.
Uma mosca veio importuná-lo, retirou a mão da coberta a fim de espantá-la. Ela corria pelo rosto, o menino dava tapas na orelha. O pai alisou-lhe os cabelos, sem ver a mosca.
Psiu, psiu... Durma, filhinho.
Com sede, o piá estalava os lábios. A gemer, não deixou que lhe inclinassem a cabeça, rolando-a no travesseiro. Fechava a mão vazia sem alcançar o copo. Súbito uma volta na cama.
Variando, o pobre — disse a vizinha.
Ao estendê-lo no colchão, o pai verificou estar com um braço e uma perna paralisados.
Aquela mosca voltou a voar, ele a espantava com a mão livre. O pai segurou-lhe os dedos — “Psiu, Psiu”.
A mãe foi erguer-lhe a cabeça e Pedrinho gritou. De noite, a criança de olhos perdidos na lâmpada. Com o abajur de papel verde, não lhe doíam os olhos. A mulher saiu do quarto, o pai abanou a mão diante do rosto de Pedrinho: estava cego.
Às onze horas o menino voltou a gemer.
Tem dodói, meu filho?
Rígido na cama, olho preso na lâmpada. O pai chamou a mulher; assim que viu o filho, ela começou a chorar. Debatia-se com a mão livre, um gemido lá no fundo. Engolindo em seco, agitava a cabeça no travesseiro molhado de suor. A boca torta queria morder a orelha como um cachorrinho morde as pulgas.
A mãe rezava de joelhos ao lado da cama. Pedrinho de olho parado, ela soltou um grito:
Morreu ... Meu filhinho morreu!
Não chore, mulher. Sou o pai, não estou chorando.
O pai deu-lhe banho, com um parente. O menino permaneceu duro sobre a bacia, não se deixou sentar na água. Depois a mãe vestiu-o como se fosse domingo: calça azul, blusa branca, o paletó de homenzinho. Não calçou os sapatos velhos. Abraçou-se com ele, que fosse enterrada no mesmo caixão — o filho tinha medo do escuro.
O pai comprou os sapatos: dois números maiores. Com o embrulho no braço viu, entre quatro velas acesas, o piá que dormia sobre a mesa. Enfiou no pé frio o sapato branco de tênis.
Ao pentear-lhe os cabelos loiros, a cabeça ainda em fogo. Encolheu-se no canto, acendeu um cigarro. Caiu-lhe o cigarro da boca e partiu-se o coração em sete pedaços.
Dalton Trevisan, in Novelas nada exemplares

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