segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Palácio da memória

Santo Tomás de Aquino foi contemporâneo de De Fournival. Seguindo as recomendações feitas por Cícero para aperfeiçoar a capacidade de memorização dos retóricos, ele elaborou uma série de regras de memória para seus leitores: pôr as coisas que se queria lembrar numa determinada ordem, desenvolver uma “afeição” por elas, transformá-las em “similitudes incomuns” que as tornassem fáceis de visualizar, repeti-las com frequência.
Posteriormente, os eruditos da Renascença, aperfeiçoando o método do Aquinate, propuseram a construção mental de modelos arquitetônicos - palácios, teatros, cidades, os reinos do céu e do inferno - onde abrigassem que desejavam recordar. Esses modelos, construções altamente elaboradas, erguidas na mente ao longo do tempo e fortalecidas pelo uso, mostraram-se imensamente eficientes durante séculos.
Para mim, quando leio hoje, as anotações que faço durante a leitura são mantidas na memória vicária do meu computador. Tal como o estudioso renascentista que podia perambular à vontade pelas câmaras de seu palácio da memória para recuperar uma citação ou um nome, eu entro cegamente no labirinto eletrônico que zumbe atrás do monitor. Auxiliado pela memória dele, posso lembrar mais exatamente (se a exatidão é importante) e mais copiosamente (se a quantidade parece valiosa) do que meus ilustres antepassados, mas ainda preciso ser aquele que encontra uma ordem nas notas e tira conclusões. Trabalho também com medo de perder um texto “memorizado” - medo que para meus ancestrais só vinha com as dilapidações da idade, mas que para mim está sempre presente: medo de uma falta de energia, de tocar na tecla errada, de uma falha no sistema, de um vírus, de um disco defeituoso, coisas que podem apagar tudo da minha memória, e para sempre.
Alberto Manguel, in Uma história da leitura

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