domingo, 15 de janeiro de 2017

Hoje é que sei!

http://3.bp.blogspot.com/-xR4rEUlAueY/Uw6nPHhLhbI/AAAAAAAAAvM/nbYHSCZ888Y/s1600/Riobaldo+e+Diadorim.JPG 

Eu estava de sentinela, afastado um quarto-de-légua, num alto retuso. Dali eu via aquele movimento: os homens, enxergados tamanhinho de meninos, numa alegria, feito nuvem de abelhas em flôr de araçá, esse alvoroço, como tirando roupa e correndo para aproveitarem de se banhar no redondo azul da lagoa, de donde fugiam espantados todos os pássaros ― as garças, os jaburús, os marrecos, e uns bandos de patos-pretos. Semelhava que por saberem que no outro dia principiava o peso da vida, os companheiros agora queriam só pular, rir e gozar seu exato. Mas uns dez tinham de sempre ficar formando prontidão, com seus rifles e granadeiras, que MedeiroVaz assim mandava. E, de tardinha, quando voltou o vento, era um fino soprado seguido, nas palmas dos buritís, roladas uma por uma. E o bambual, quase igualmente. Som bom de chuvas. Então, Diadorim veio me fazer companhia. Eu estava meio dúbito. Talvez, quem tivesse mais receio daquilo que ia acontecer fosse eu mesmo. Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso; isto é! coragem em mim era variável. Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei! que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho ― caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade! Mas minha competência foi comprada a todos custos, caminhou com os pés da idade. E, digo ao senhor, aquilo mesmo que a gente receia de fazer quando Deus manda, depois quando diabo pede se perfaz. O Danador! Mas Diadorim estava a suaves. ― Olha, Riobaldo ― me disse ― nossa destinação é de glória. Em hora de desânimo, você lembra de sua mãe; eu lembro de meu pai... Não fale nesses, Diadorim... Ficar calado é que é falar nos mortos... Me faltou certeza para responder a ele o que eu estava achando. Que vontade era de pôr meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele, ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que ponto esses olhos, sempre havendo, aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível.
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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