Ó
vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E
em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós
de nervos de nylon
e de músculos duros
Capazes
de não rir durante anos a fio.
Ó
vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre
um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós
que almejais na carne o estigma dos martírios
E
desejais ser fuzilados sem o lenço.
Ó
vós, homens iluminados a néon
Seres
extraordinariamente rarefeitos
Vós
que vos bem-amais e vos julgais perfeitos
E
vos ciliciais à ideia do que é bom.
Ó
vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E
vos julgais os portadores da verdade
Quando
nada mais sois, à luz da realidade,
Que
os súcubos dos sentimentos mais escuros.
Ó
vós que só viveis nos vórtices da morte
E
vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós
que vedes na luz o antônimo da treva
E
acreditais que o amor é o túmulo do forte.
Ó
vós que pedis pouco à vida que dá muito
E
erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem
saber que a esperança é um simples dom da vida
E
tanto mais porque é um dom público e gratuito.
Ó
vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde
o homem que ama oculta o seu segredo
Vós
que viveis a mastigar os maxilares
E
temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.
Ó
vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que
tudo equacionais em termos de conflito
E
não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E
não sabeis vencer se não houver vencidos.
Ó
vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que
vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E
maiusculizais os sentimentos nobres
E
gostais de dizer que sois homens honestos.
Ó
vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que
só articulais para emitir conceitos
E
pensais que o credor tem todos os direitos
E
o pobre devedor tem todos os deveres.
Ó
vós que desprezais a mulher e o poeta
Em
nome de vossa vã sabedoria
Vós
que tudo comeis mas viveis de dieta
E
achais que o bem do alheio é a melhor iguaria.
Ó
vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos
chimangos, calabares, sinecuros
Tende
cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E
eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.
Vinicius
de Moraes
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