sábado, 21 de janeiro de 2017

Cada qual com sua quimera

Sob um grande céu de cinza, numa vasta planície poeirenta, sem estradas, sem mato, sem espinho, sem urtiga, encontrei vários homens, curvados, a marchar.
Cada um deles levava às costas uma enorme Quimera, pesada como um saco de farinha ou de carvão, ou como a mochila de um infante romano.
Mas a monstruosa besta não era um peso inerte. Ao contrário, envolvia e oprimia o homem com músculos elásticos e potentes. Cravava as garras enormes no peito da montaria. E a cabeça fabulosa dominava a frente do homem, como os elmos medonhos com que os guerreiros antigos pretendiam aumentar o terror do inimigo.
Interpelei um daqueles homens e perguntei-lhe aonde iam. Respondeu-me que não sabia, nem ele, nem os outros. Evidentemente, porém, acrescentou, iam a alguma parte, pois eram levados por uma incrível necessidade de marchar.
Coisa curiosa: nenhum dos viajantes parecia irritado com a fera que levava suspensa ao pescoço e colada às costas; dir-se-ia que a considerava como fazendo parte de si mesmo.
Nenhum daqueles rostos fatigados e sérios demonstrava o menor desespero. Sob a cúpula melancólica do céu, pés mergulhados na areia de um chão tão desolado quanto o céu, caminhavam com a fisionomia resignada dos que estão condenados a esperar sempre.
O cortejo passou ao meu lado e afundou-se na atmosfera do horizonte, no lugar em que a superfície arredondada do planeta se furta à curiosidade do olhar humano.
Durante alguns instantes, obstinei-me em querer compreender esse mistério. Logo, porém, a irresistível indiferença abateu-se sobre mim, e eu me senti mais oprimido do que eles com as pesadas Quimeras.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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