quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A minha vida foi um romance

A minha vida foi um romance”, diziam, depois de uma pausa e um suspiro, aquelas velhinhas que apareciam antigamente nos lares a vender rendas e bordados. Não sei por que os de casa desconversavam. Por sinal que anos depois escrevi, para as consolar postumamente, um poema que começava assim: “Minha vida não foi um romance”...
Não, a vida nunca é um romance: falta-lhe o senso da composição, o crescendo que leva ao clímax. Tudo acontece tão sem lógica e sem preparo que os seus golpes nos deixam atônitos mas de olhos secos, como se fôssemos heróis, nós que enxugamos furtivamente os olhos no escuro das salas dos cinemas — só porque o diretor do dramalhão soube desenrolar devidamente o filme.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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