Com
o cabo do chicote bateu na porta da casa de Pedro Páramo. Pensou na
primeira vez que tinha feito aquilo, duas semanas atrás. Esperou um
bom tempo da mesma forma que precisou esperar daquela vez. Olhou
também, como tinha feito da outra feita, o laço negro dependurado
no dintel da porta. Mas não comentou consigo mesmo: “Que coisa!
Puseram um em cima do outro. O primeiro já está descolorido, o
último reluz como se fosse de seda; embora não passe de um trapo
tingido.”
A
primeira vez ficou esperando até ser tomado pela ideia de que a casa
talvez estivesse desabitada. E já ia indo embora, quando apareceu a
figura de Pedro Páramo.
—
Entra, Fulgor.
Era
a segunda vez que se viam. A primeira só ele viu; porque Pedrinho
era um recém-nascido. E esta. Quase se podia dizer que era a
primeira vez. E acabaram falando de igual a igual. Que coisa!
Seguiu-o a grandes trancos, chicoteando as próprias pernas: “Num
instante ele vai saber que quem sabe das coisas aqui sou eu. Vai
saber. E saber o que vim fazer.”
—
Sente-se, Fulgor. Aqui podemos falar com
mais calma.
Estavam
no curral. Pedro Páramo se esparramou numa manjedoura e esperou:
— Por
que não senta?
—
Prefiro ficar de pé, Pedro.
— Como
você quiser. Mas não se esqueça do dom. Dom Pedro.
Quem
aquele moleque achava que era para falar desse jeito? Nem o pai dele,
dom Lucas Páramo, tinha se atrevido a tanto. E de repente ele, que
jamais tinha parado na Media Luna, e que não conhecia o trabalho nem
de ouvir falar, se dirigia a ele como se ele fosse um peão qualquer.
Ora essa!
— Como
está aquilo lá?
Sentiu
que chegava a sua oportunidade. “Agora é a minha vez”, pensou.
— Mal.
Não sobrou nada. Vendemos a última cabeça de gado.
Começou
a tirar os papéis para informar a quantas andava a sua dívida. E já
ia dizer: “Estamos devendo tanto”, quando ouviu:
— Para
quem estamos devendo? Não me interessa quanto, mas a quem.
Passou
uma lista de nomes. E terminou:
— Não
tem de onde tirar para pagar. Essa é que é a questão.
— E
por quê?
—
Porque a família do senhor absorveu
tudo. Pediam e pediam, sem devolver nada. E isso se paga caro. Eu bem
que dizia: “Com o tempo, vão acabar com tudo.” Pois bem, agora
acabaram. Embora exista por lá quem se interesse por comprar os
terrenos. E pagam bem. Dava para cobrar as promissórias pendentes e
ainda sobrava alguma coisa; mas, isso sim, bem diminuído.
— E
não será você o interessado?
— Como
é que o senhor pode acreditar que eu faria isso?
— Eu
creio até no espírito santo. Amanhã vamos começar a arrumar os
nossos assuntos. Vamos começar pelas Preciados. Você diz que
devemos mais a elas?
— Digo.
E é para quem a gente menos pagou. O pai do senhor sempre as deixou
para o último lugar. Soube que uma delas, Matilde, foi morar na
cidade. Não sei se em Guadalajara ou em Colima. E Lola, quer dizer,
dona Dolores, ficou sendo dona de tudo. O senhor sabe: o rancho de
Enmedio. E é a ela que temos de pagar.
—
Amanhã você vai pedir a mão de Lola.
— E
o senhor acha que ela vai me aceitar, velho desse jeito?
— Vai
pedir é para mim. Afinal das contas, ela tem lá sua graça. Você
vai dizer que estou muito apaixonado por ela. E que ela leve isso
muito em consideração. Aproveita e peça ao padre Rentería que
arranje o nosso trato. Quanto dinheiro você tem aí?
—
Nenhum, dom Pedro.
— Pois
prometa dinheiro. Diga a ele que assim que a gente tiver, a gente
paga. Tenho quase certeza que ele não vai pôr nenhuma dificuldade.
Faça isso amanhã logo de manhã.
— E
o Aldrete?
— Qual
o problema de Aldrete? Você mencionou as Preciados e os Fregosos e
os Guzmanes. E agora me aparece com Aldrete?
— Uma
questão de divisa. Ele já mandou cercar e agora pede que a gente
ponha o que falta para fazer a divisão.
— Deixa
isso para depois. Não se preocupe com cercas. Não haverá cerca. A
terra não tem divisões. Pense nisso, Fulgor, mas não deixe ele
saber. Agora resolva rápido e de uma vez a questão da Lola. Você
não quer sentar?
—
Quero, dom Pedro. Palavra que estou
gostando de negociar com o senhor.
— Você
vai dizer a Lola isso e aquilo e que gosto dela. Isso é importante.
Aliás, Sedano, gosto mesmo. Pelos olhos dela, sabe? Isso é o que
você vai fazer amanhã de manhãzinha. Estou reduzindo suas tarefas
de administrador. Esquema a Media Luna.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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