quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Pedro, Dom Pedro

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Com o cabo do chicote bateu na porta da casa de Pedro Páramo. Pensou na primeira vez que tinha feito aquilo, duas semanas atrás. Esperou um bom tempo da mesma forma que precisou esperar daquela vez. Olhou também, como tinha feito da outra feita, o laço negro dependurado no dintel da porta. Mas não comentou consigo mesmo: “Que coisa! Puseram um em cima do outro. O primeiro já está descolorido, o último reluz como se fosse de seda; embora não passe de um trapo tingido.”
A primeira vez ficou esperando até ser tomado pela ideia de que a casa talvez estivesse desabitada. E já ia indo embora, quando apareceu a figura de Pedro Páramo.
Entra, Fulgor.
Era a segunda vez que se viam. A primeira só ele viu; porque Pedrinho era um recém-nascido. E esta. Quase se podia dizer que era a primeira vez. E acabaram falando de igual a igual. Que coisa! Seguiu-o a grandes trancos, chicoteando as próprias pernas: “Num instante ele vai saber que quem sabe das coisas aqui sou eu. Vai saber. E saber o que vim fazer.”
Sente-se, Fulgor. Aqui podemos falar com mais calma.
Estavam no curral. Pedro Páramo se esparramou numa manjedoura e esperou:
Por que não senta?
Prefiro ficar de pé, Pedro.
Como você quiser. Mas não se esqueça do dom. Dom Pedro.
Quem aquele moleque achava que era para falar desse jeito? Nem o pai dele, dom Lucas Páramo, tinha se atrevido a tanto. E de repente ele, que jamais tinha parado na Media Luna, e que não conhecia o trabalho nem de ouvir falar, se dirigia a ele como se ele fosse um peão qualquer. Ora essa!
Como está aquilo lá?
Sentiu que chegava a sua oportunidade. “Agora é a minha vez”, pensou.
Mal. Não sobrou nada. Vendemos a última cabeça de gado.
Começou a tirar os papéis para informar a quantas andava a sua dívida. E já ia dizer: “Estamos devendo tanto”, quando ouviu:
Para quem estamos devendo? Não me interessa quanto, mas a quem.
Passou uma lista de nomes. E terminou:
Não tem de onde tirar para pagar. Essa é que é a questão.
E por quê?
Porque a família do senhor absorveu tudo. Pediam e pediam, sem devolver nada. E isso se paga caro. Eu bem que dizia: “Com o tempo, vão acabar com tudo.” Pois bem, agora acabaram. Embora exista por lá quem se interesse por comprar os terrenos. E pagam bem. Dava para cobrar as promissórias pendentes e ainda sobrava alguma coisa; mas, isso sim, bem diminuído.
E não será você o interessado?
Como é que o senhor pode acreditar que eu faria isso?
Eu creio até no espírito santo. Amanhã vamos começar a arrumar os nossos assuntos. Vamos começar pelas Preciados. Você diz que devemos mais a elas?
Digo. E é para quem a gente menos pagou. O pai do senhor sempre as deixou para o último lugar. Soube que uma delas, Matilde, foi morar na cidade. Não sei se em Guadalajara ou em Colima. E Lola, quer dizer, dona Dolores, ficou sendo dona de tudo. O senhor sabe: o rancho de Enmedio. E é a ela que temos de pagar.
Amanhã você vai pedir a mão de Lola.
E o senhor acha que ela vai me aceitar, velho desse jeito?
Vai pedir é para mim. Afinal das contas, ela tem lá sua graça. Você vai dizer que estou muito apaixonado por ela. E que ela leve isso muito em consideração. Aproveita e peça ao padre Rentería que arranje o nosso trato. Quanto dinheiro você tem aí?
Nenhum, dom Pedro.
Pois prometa dinheiro. Diga a ele que assim que a gente tiver, a gente paga. Tenho quase certeza que ele não vai pôr nenhuma dificuldade. Faça isso amanhã logo de manhã.
E o Aldrete?
Qual o problema de Aldrete? Você mencionou as Preciados e os Fregosos e os Guzmanes. E agora me aparece com Aldrete?
Uma questão de divisa. Ele já mandou cercar e agora pede que a gente ponha o que falta para fazer a divisão.
Deixa isso para depois. Não se preocupe com cercas. Não haverá cerca. A terra não tem divisões. Pense nisso, Fulgor, mas não deixe ele saber. Agora resolva rápido e de uma vez a questão da Lola. Você não quer sentar?
Quero, dom Pedro. Palavra que estou gostando de negociar com o senhor.
Você vai dizer a Lola isso e aquilo e que gosto dela. Isso é importante. Aliás, Sedano, gosto mesmo. Pelos olhos dela, sabe? Isso é o que você vai fazer amanhã de manhãzinha. Estou reduzindo suas tarefas de administrador. Esquema a Media Luna.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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