Um
homem só se conhece em duas situações: quando está sob a ameaça
de uma arma ou quando quer conquistar uma mulher. Há quem diga que
existe um terceiro teste: como o homem reage diante de um vitral da
catedral de Chartres. Pode ter sido um materialista incréu a vida
toda, mas diante de um vitral da catedral de Chartres se descobre um
místico - ou não. Sei de céticos que, com certa luz do entardecer
batendo nos vitrais da catedral de Chartres, chegaram a levitar
alguns centímetros, até racionalizarem a situação e voltarem para
o chão. Mas só nos conhecemos, mesmo, na frente de uma arma ou
atrás de uma mulher.
Você
pode argumentar que ambas são situações de descontrole emocional.
Errado: o descontrole é o homem. O controle é o disfarce. Você
deve se julgar pelo seu comportamento quando enfrentou a
possibilidade da morte ou quando estava a fim da (o nome é
hipotético) Gesileide. Aquela vez que você se escondeu atrás de um
poste para ver se ela chegava em casa com alguém. Meia-noite e você
atrás do poste, sob o olhar curioso de cachorros e porteiros,
fingindo que lia a lista do bicho no escuro. Aquele imbecil - e não
esse cidadão adulto, respeitável, razoável, comedido, talvez até
com títulos - é você. Tudo o mais é a capa do imbecil essencial.
Tudo o mais é fingimento.
Você
nunca foi tão você quanto atrás daquele poste.
Pense
em tudo o que você já fez para conquistar uma mulher. Os falsos
encontros casuais, cuidadosamente arquitetados. Os falsos telefonemas
errados, só para ouvir a voz dela. (“Telefonei para você? Onde eu
estou com a cabeça!”) As bobagens que você disse, tentando
impressioná-la. Pior, as bobagens que você ensaiou em casa e disse
como se tivesse pensado na hora. O que você lhe escreveu, sem
revisão ou autocrítica.
Aquele
ridículo era você. Os dias e dias que você passou só pensando
nela. O país desse jeito, e você só pensando nela. Sem dormir,
pensando nela. Tanta coisa para fazer, e você escrevendo o nome dela
sem parar. Gesileide (digamos), Gesileide, Gesileide... E as
mentiras? E a vez que você inventou que era meio-primo do Julio
Iglesias?
E
o que você sofreu quando parecia que não ia dar certo? Como um
adolescente. Aquele adolescente era você. Isso que você é agora é
o disfarce, é o imbecil essencial em recesso provisório.
Só
o vexame é autêntico num homem.
Luís
Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam
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