sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Melhor assim, meu filho

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Melhor assim, meu filho. Melhor assim — me disse Eduviges Dyada.
A noite já estava alta. A lâmpada que ardia num canto começou a languescer; depois pestanejou e acabou se apagando.
Senti que a mulher se levantava e achei que estava indo atrás de uma nova luz. Ouvi seus passos cada vez mais distantes. Fiquei esperando.
Passado um tempo e ao ver que não voltava, eu também me levantei. Fui caminhando a passos curtos, tateando na escuridão, até que cheguei no meu quarto. E lá me sentei no chão para esperar o sono.
Dormi aos trancos.
Num desses trancos ouvi o grito. Era um grito arrastado feito o alarido de algum bêbado: “Ai vida minha, você não me merece!”
Eu me ergui rapidamente, porque ouvi aquilo quase que grudado nas minhas orelhas; pode ter sido na rua; mas eu ouvi aqui, colado às paredes do meu quarto. Ao despertar, estava tudo em silêncio; apenas o cair das mariposas noturnas e o rumor do silêncio.
Não, não era possível calcular a fundura do silêncio que produziu aquele grito. Como se a terra tivesse se esvaziado do seu ar. Nenhum som; nem o do suspiro, nem o da batida do coração; como se até o ruído da consciência tivesse parado. E quando terminou a pausa e tornei a me tranquilizar, o grito voltou e pude continuar a ouvi-lo por um bom tempo: “Que me deixem ao menos o direito que os enforcados têm, o de agitar as pernas!”
Então a porta se abriu de par em par.
É a senhora, dona Eduviges? — perguntei. — O que é que está acontecendo? A senhora sentiu medo?
Não me chamo Eduviges. Sou Damiana. Soube que você estava aqui e vim vê-lo. Quero convidá-lo para dormir na minha casa. Lá você terá onde descansar.
Damiana Cisneros? A senhora não era uma das que moravam na Media Luna?
Eu moro lá. Por isso demorei a chegar aqui.
Minha mãe me falou de uma tal de Damiana que tinha cuidado de mim, quando eu nasci. Quer dizer que a senhora...
Sou eu, sim. Conheço você desde que abriu os olhos.
Pois eu vou com a senhora. Aqui os gritos não me deixaram em paz. A senhora ouviu o que está acontecendo? É como se estivessem assassinando alguém. A senhora não acabou de ouvir agora mesmo?
Pode ser algum eco que ficou preso aqui. Neste quarto enforcaram Toribio Aldrete faz muito tempo. Depois taparam a porta, até que ele secasse; para que seu corpo não encontrasse repouso. Não sei como é que você conseguiu entrar, porque não existe chave para abrir esta porta.
Foi dona Eduviges que abriu para mim. Ela me disse que era o único quarto que estava disponível.
Eduviges Dyada?
Ela.
Coitada da Eduviges. Deve estar vagando em pena até agora.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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