—
Melhor assim, meu filho. Melhor assim —
me disse Eduviges Dyada.
A
noite já estava alta. A lâmpada que ardia num canto começou a
languescer; depois pestanejou e acabou se apagando.
Senti
que a mulher se levantava e achei que estava indo atrás de uma nova
luz. Ouvi seus passos cada vez mais distantes. Fiquei esperando.
Passado
um tempo e ao ver que não voltava, eu também me levantei. Fui
caminhando a passos curtos, tateando na escuridão, até que cheguei
no meu quarto. E lá me sentei no chão para esperar o sono.
Dormi
aos trancos.
Num
desses trancos ouvi o grito. Era um grito arrastado feito o alarido
de algum bêbado: “Ai vida minha, você não me merece!”
Eu
me ergui rapidamente, porque ouvi aquilo quase que grudado nas minhas
orelhas; pode ter sido na rua; mas eu ouvi aqui, colado às paredes
do meu quarto. Ao despertar, estava tudo em silêncio; apenas o cair
das mariposas noturnas e o rumor do silêncio.
Não,
não era possível calcular a fundura do silêncio que produziu
aquele grito. Como se a terra tivesse se esvaziado do seu ar. Nenhum
som; nem o do suspiro, nem o da batida do coração; como se até o
ruído da consciência tivesse parado. E quando terminou a pausa e
tornei a me tranquilizar, o grito voltou e pude continuar a ouvi-lo
por um bom tempo: “Que me deixem ao menos o direito que os
enforcados têm, o de agitar as pernas!”
Então
a porta se abriu de par em par.
— É
a senhora, dona Eduviges? — perguntei. — O que é que está
acontecendo? A senhora sentiu medo?
— Não
me chamo Eduviges. Sou Damiana. Soube que você estava aqui e vim
vê-lo. Quero convidá-lo para dormir na minha casa. Lá você terá
onde descansar.
—
Damiana Cisneros? A senhora não era uma
das que moravam na Media Luna?
— Eu
moro lá. Por isso demorei a chegar aqui.
— Minha
mãe me falou de uma tal de Damiana que tinha cuidado de mim, quando
eu nasci. Quer dizer que a senhora...
— Sou
eu, sim. Conheço você desde que abriu os olhos.
— Pois
eu vou com a senhora. Aqui os gritos não me deixaram em paz. A
senhora ouviu o que está acontecendo? É como se estivessem
assassinando alguém. A senhora não acabou de ouvir agora mesmo?
— Pode
ser algum eco que ficou preso aqui. Neste quarto enforcaram Toribio
Aldrete faz muito tempo. Depois taparam a porta, até que ele
secasse; para que seu corpo não encontrasse repouso. Não sei como é
que você conseguiu entrar, porque não existe chave para abrir esta
porta.
— Foi
dona Eduviges que abriu para mim. Ela me disse que era o único
quarto que estava disponível.
—
Eduviges Dyada?
— Ela.
—
Coitada da Eduviges. Deve estar vagando
em pena até agora.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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