sábado, 10 de dezembro de 2016

Ler é cumulativo

Aprendi rapidamente que ler é cumulativo e avança em progressão geométrica: cada leitura nova baseia-se no que o leitor leu antes. Comecei fazendo suposições sobre as histórias que Borges escolhia para mim — que a prosa de Kipling seria afetada, a de Stevenson infantil, a de Joyce ininteligível —, mas logo o preconceito deu lugar à experiência, e a descoberta de uma história deixava-me na expectativa de outra que, por sua vez, era enriquecida com as lembranças das reações de Borges e das minhas. O avanço de minha leitura jamais seguia a sequência convencional do tempo. Por exemplo, ler em voz alta para ele textos que eu já lera antes modificava aquelas leituras solitárias anteriores, alargava e inundava minha lembrança dos textos, fazia-me perceber o que não percebera então mas que agora parecia recordar, sob o impulso da reação dele. “Existem aqueles que, enquanto leem um livro, recordam, comparam, trazem à tona emoções de outras leituras anteriores”, observou o escritor argentino Ezequiel Martínez Estrada.
Alberto Manguel, in Uma história da leitura

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