Tinha
um sonho na cabeça: assistir a uma partida de futebol. Assistir
mesmo, não esse faz de conta de televisão ou transistor. O pai
dizia que ele era muito pequeno para ir a um estádio. No seu país,
jogo não é essa farra de juiz expulsar jogador, e jogador sair às
gargalhadas; o time que perde costuma ser trucidado pela torcida, e
nas arquibancadas vale tudo. Longe do campo, sabia os nomes de todos
os campeões mundiais, os escores de todos os jogos de campeonato,
colecionava escudos, flâmulas, fotos, signos de uma realidade que
lhe era vedado conhecer de perto. Num aeroporto viu Didi sentado, à
espera de avião. Chegou-se até ele, trêmulo, sem palavras. Pelo
menos vira um jogador. Veio para o Brasil com a antiga ambição: ir
a um jogo qualquer. Por falta de sorte, o campeonato acabara,
Maracanã fechado. Afinal, anunciaram o Santos X
Botafogo. “Quem me leva?” Ninguém queria levar. Chovia fino,
melhor ficar em casa, vendo na TV. Apareceu um primo grande, que o
via pela primeira vez, e teve um gesto: “Você vai comigo e com a
minha noiva”. Foram. Não dizia nada, de tanta emoção: o primeiro
jogo de sua vida! Logo no Maracanã. E com Pelé e Garrincha. Era
matéria para lembrar a vida toda. Mas lembrar só, não. Como dizer
aos amigos, em seu país, que vira aquilo tudo? Como provar a si
mesmo, mais tarde? Precisava guardar aquela hora gloriosa. Pegou do
pacote de balas, desembrulhou uma, alisou o papel com todo o cuidado,
dobrou-o, guardou no bolso. Em casa, não quis comentar o jogo; era
bom demais para caber em palavra. Desdobrou o papel e com a letra
mais caprichada escreveu nele: “Mi
primer partido de fútbol”.
Carlos
Drummond de Andrade,
in
Correio da Manhã,
13/01/1965
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