Ando
numa fase um pouco perigosa. É que estou estabelecendo contato com
as pessoas com tanta facilidade que alguma ainda me acontece. Nesta
fase, todo o mundo ou é meu irmão, ou meu filho, ou meu pai e minha
mãe. No último domingo estive em perigo. Eu tentava pegar um
táxi, o que nos domingos é mais difícil pois muita gente que nunca
anda de táxi resolve sair do sério e tomar. Não encontrei nenhum
no lugar onde geralmente acho com facilidade, e resolvi caminhar até
um ponto deles: estava vazio, a rua limpa. Fiquei ali mesmo esperando
que algum aparecesse. Depois de muito tempo quem apareceu foi um
grupo de pré-adolescentes, de uns 14 anos cada, não mais. As duas
mocinhas de saia pelo meio das coxas, um dos meninos de cabelos
crescidos até metade do pescoço. Junto de mim pararam, e a conversa
deles era insolente e falsamente livre. Pensei: estão esperando
táxi, quem vai ganhar são eles, pois sempre me recuso a correr,
acho feio correr. Pensamento vai, pensamento vem, resolvi perguntar:
“Vocês estão esperando táxi?” Resposta em tom malcriado de um
deles: “Estamos”. Eu disse: “Mas o primeiro que vier vai ser
meu, pois estou aqui há mais tempo que vocês.” O menino cabeludo
respondeu com o pior tom de voz: “E por que é que eu...”
Interrompi-o: “Por causa do que eu já disse, e porque eu podia ser
mãe de vocês e não pretendo disputar táxi com um filho meu.”
Eles ficaram por meio segundo me olhando perplexos, e então o menino
respondeu com a voz inteiramente obediente e de súbito como uma
criança mesmo: “Sim senhora.” O perigo passara.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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