quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Canários-da-terra


Moravam nas árvores da minha infância. Amarelos, cabeças vermelhas, eram também conhecidos como “cabecinhas de fogo”. Aos poucos foram sumindo. Pensei que nos haviam abandonado, definitivamente. De medo. Para sobreviver. Teriam ido para longe dos homens... “Os homens são aqueles que perderam a confiança dos pássaros.” E com razão. Tantas coisas horríveis lhes fizemos. Nos meus dias de infância, o esporte favorito dos meninos era matar passarinhos com estilingue, pelo puro prazer de matar. Ou engaiolá-los. Há uma canção do Chico sobre a passarada em que a alegria é sempre interrompida pelo refrão “... o homem vem aí, o homem vem aí”. Mas eles estão voltando. Nas montanhas de Minas vi um espetáculo maravilhoso que nunca imaginei que existisse: bandos de mais de cinquenta canários-da-terra, voando. Isso me deu alegria. E esperança. Pena que os nossos meninos não saibam o que são canários-da-terra nem saibam identificar o seu canto. Deveriam aprender isso nas escolas. Porque dá mais alegria um pássaro voando que um dígrafo e duas mesóclises na prova.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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