Generalizando,
e dando ao caso um toque emocional de exagero, levo metade do dia a
procurar o que se extraviou na véspera.
Não,
não tentem ajudar-me, ó bem-amadas, pois não se trata de joias e,
se por acaso eu as houvesse herdado, não teriam para mim outro valor
senão o de empenhá-las pouco a pouco.
O
que eu perco são coisas imponderáveis, suspiros não, mas
pensamentos, se assim posso chamar o que às vezes me borboleteia na
cuca e que procuro transfixar no papel, antes que um súbito buzinar
ou britadeira as mate de nascença.
E,
enquanto procuro traçá-las a lápis no papel, pois graças a Deus
não pertenço intelectualmente à era mecânica, às vezes me parece
que, por exemplo, um manuscrito me saiu um garrancho, ou, antes, um
gancho, que faz pender a linha destas escrituras e por conseguinte a
linha do pensamento.
Estão
vendo? De que era mesmo que eu estava falando? Ah! era dos papéis
escritos, extraviados, esquecidos.
Quem
sabe lá como seriam bons!
Quanto
a este, que tive o cuidado de não perder, o melhor será colocar-lhe
no fim os três pontinhos das reticências...
Ninguém
sabe ao certo o que querem dizer reticências.
Em
todo caso, desconfio muito que esses três pontinhos misteriosos
foram a maior conquista do pensamento ocidental…
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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