Uma
vez o nosso grupo decidiu comparar árvores genealógicas e, como
estivéssemos naquela idade em que ninguém com mais de 40 anos nos
interessava muito, ainda mais da família, cada um inventou o que
pôde. Eu improvisei um remoto príncipe calabrês entre meus
antepassados, outro disse que era “meio Orleans e Bragança”, mas
quem ganhou nossa admiração maior foi o Binho, que declarou o
seguinte: era descendente de um meio-irmão de Jesus Cristo.
-
O quê?!
Binho
manteve a ascendência em meio à descrença geral, sem piscar. E
ainda elaborou. Se havia alguém com sobra de razões para ter outra
mulher, era São José. Ele tivera filhos com a outra. Um desses
filhos dera início a uma linhagem que acabara no velho Moisés, pai
do Binho, que emigrara para o Brasil.
-
Espera um pouquinho. Na Bíblia não tem nada sobre a outra família
do José. Binho sorriu com superioridade. E ia ter? Logo na Bíblia?
-
E por que a sua família nunca falou nada?
O
consenso no grupo era de que uma descendência como aquela merecia
destaque nacional. Talvez até valesse dinheiro. O pai do Binho podia
ter alguma coisa a receber no Vaticano, sei lá.
O
Binho continuou sorrindo com a nossa ignorância. Era claro que a
família não podia falar nada a respeito. O velho José sempre fora
muito discreto. Não podiam trair o segredo do antepassado ilustre.
O
fato é que a revelação do Binho mexeu conosco. No dia seguinte o
Tuca apareceu com a notícia. Soubera em casa que eles também eram
parentes de uma figura histórica importantíssima.
-
Quem?
-
Hércules.
Luís
Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam
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