A
poesia é uma perturbação do olhar. O poeta vê o que não está
lá. Para ele, as coisas são transparentes, abrem-se para outros
mundos. A Adélia Prado diz que Deus de vez em quando a castiga,
tirando-lhe a poesia. Ela olha para uma pedra e vê uma pedra.
William Blake, poeta inglês, escreveu um poema em que diz: “Ver um
mundo num grão de areia e um céu numa flor silvestre...”. Octávio
Paz descreve essa experiência: “Todos os dias atravessamos a mesma
rua ou o mesmo jardim; todas as tardes os nossos olhos batem no mesmo
muro avermelhado feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia
qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o
muro fatigado se cobre de signos”. A Raposa começou a ver nos
campos dourados de trigo batidos pelo vento o cabelo louro do Pequeno
Príncipe que partira. Meu filho pequeno, nas minhas ausências e com
saudades, ia para o meu escritório vazio para sentir o cheiro do
fumo de cachimbo. O cheiro do cachimbo era o que ele tinha de mim. O
cheiro do cachimbo era, para ele, um sacramento. Sacramento é uma
presença na qual mora uma ausência. A única coisa que recebi de
meu pai como herança foi um peso de papel de vidro esverdeado.
Quando olho para o peso de papel não vejo peso de papel,
insignificância. Vejo o rosto do meu pai.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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