terça-feira, 25 de outubro de 2016

O que os livros me contavam

Cada livro era um mundo em si mesmo e nele eu me refugiava. Embora eu me soubesse incapaz de inventar histórias como as que meus autores favoritos escreviam, achava que minhas opiniões frequentemente coincidiam com as deles e (para usar a frase de Montaigne) Passei a seguir-lhes o rastro, murmurando: Ouçam, ouçam. Mais tarde, fui capaz de me dissociar da ficção deles; mas na infância e em boa parte da adolescência, o que os livros me contavam, por mais fantástico que fosse, era verdade no momento da leitura, e tão tangível quanto o material de que o próprio livro era feito. Walter Benjamin descreveu a mesma experiência. “O que meus primeiros livros foram para mim — para lembrar isso eu deveria primeiramente esquecer todo o conhecimento sobre livros. É certo que tudo o que sei deles hoje baseia-se na presteza com que eu então me abria para eles, mas se conteúdo, tema e assunto agora são extrínsecos ao livro, antes estavam exclusiva e inteiramente dentro dele, não sendo mais externos ou independentes do que são hoje seu número de páginas ou seu papel. O mundo que se revelava no livro e o próprio livro jamais poderiam ser, de forma alguma, separados.
Assim, junto com cada livro, também seu conteúdo, seu mundo, estava ali, à mão, palpável. Mas, igualmente, esse conteúdo e esse mundo transfiguravam cada parte do livro. Queimavam dentro dele, lançavam chamas a partir dele; localizados não somente em sua encadernação ou em suas figuras, estavam entesourados em títulos de capítulos e capitulares, em parágrafos e colunas. Você não lia livros; habitava neles, morava entre suas linhas e, reabrindo-os depois de um intervalo, surpreendia-se no ponto onde havia parado”.
Alberto Manguel, in História da leitura

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