Séculos
antes da invenção das máquinas fotográficas, os japoneses já
eram mestres na arte de fotografar. Fotografavam sem máquinas. Para
isso usavam palavras. Suas maravilhosas miniaturas fotográficas
feitas com palavras têm o nome de haicais. Quem lê um haicai vê.
São tão pequenos – mas pesam tanto! Leminski, valendo-se de uma
sugestão de Jorge Luis Borges, descreve um haicai como um objeto
poético mínimo de peso intolerável. Não tente entender. Você
entende um pôr do sol? Um pássaro em voo? Um sorriso da pessoa
amada? Não são para ser entendidos. São para ser vistos. O prazer
do que se vê está no ato de ver e não no ato de pensar sobre o
visto. Os pensamentos prejudicam a visão. Não foi à toa que
Alberto Caeiro afirmou que “pensar é estar doente dos olhos”.
Quem lê um haicai fica curado dos olhos por nos obrigarem a não
pensar. Veja esse haicai: “Na velha casa que abandonei as
cerejeiras florescem”. Acabou. É só isso. Agora, sem ser levado
pelo desejo de compreender, entregue-se à visão. Veja a casa velha.
A casa que abandonei. Passei por ela. Triste solidão. Os muros estão
caídos. O jardim de outrora se transformou num matagal. As paredes
estão descascadas. Mas, a despeito desse abandono, as cerejeiras
florescem... As cerejeiras são fiéis. Pode-se confiar nelas. Às
vezes brinco de fazer haicais, embora não obedeça à técnica. Aqui
está um, inspirado pelas cerejeiras. Era o tempo quando se tinha
medo de andar pelas ruas de Campinas. A morte estava à espreita nas
esquinas. Aí eu vi um ipê florido e o haicai saiu: “Na cidade
amedrontada os ipês-amarelos florescem”. Os ipês amarelos estão
floridos de novo. Voltam sempre, no mesmo tempo, na ordem certa. Em
julho florescem os ipês-rosas. Em agosto, os amarelos. Em setembro,
os brancos. De todos, os mais desavergonhados são os ipês-amarelos.
Minivulcões em erupções de alegria. É bom ver sua copa amarela,
sem uma única folha, contra o céu azul. Alguns deles, fui eu que
plantei. Mas são poucos os que se assombram e param para vê-los.
Acho um ipê-amarelo florido um milagre maior que um cego ver ou um
paralítico andar.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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