Pudesse
eu um dia escrever uma espécie de tratado sobre a culpa. Como
descrevê-la, aquela que é irremissível, a que não se pode
corrigir? Quando a sinto, ela é até fisicamente constrangedora: um
punho fechando o peito, abaixo do pescoço: e aí está ela, a culpa.
A culpa? O erro, o pecado. Então o mundo passa a não ter refúgio
possível. Aonde se vá e carrega-se a cruz pesada, de que não se
pode falar.
Se
se falar – ela não será compreendida. Alguns dirão – “mas
todo o mundo…” como forma de consolo. Outros negarão
simplesmente que houve culpa. E os que entenderem abaixarão a cabeça
também culpada. Ah, quisera eu ser dos que entram numa igreja,
aceitam a penitência e saem mais livres. Mas não sou dos que se
libertam. A culpa em mim é algo tão vasto e tão enraizado que o
melhor ainda é aprender a viver com ela, mesmo que tire o sabor do
menor alimento: tudo sabe mesmo de longe a cinzas.
Clarice
Lispector, in
Aprendendo a viver
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