Não
é meu costume ouvir música enquanto escrevo. Fico possuído pela
música, numa espécie de êxtase, e isso faz parar meus pensamentos.
Contrariando o meu hábito, coloquei no micro um cd de uma peça que
nunca ouvira, a sonata para violino e piano de César Franck. Minutos
depois eu estava chorando. Aí interrompi o choro e fiz um exercício
filosófico. Perguntei-me: “Por que é que você está chorando?”.
A resposta veio fácil: “Choro por causa da beleza...”.
Continuei: “Mas o que é a experiência da beleza?”. Sem uma
resposta pronta, veio-me algo que aprendi com Platão. Platão,
quando não conseguia dar respostas racionais, inventava mitos. Ele
contou que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas
do universo. Essa experiência é tão forte que todas as infinitas
formas de beleza do universo ficam eternamente gravadas em nós. Ao
nascer, esquecemo-nos delas. Mas não as perdemos. A beleza fica em
nós adormecida como um feto. Assim, todos nós estamos grávidos de
beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. Quando
a beleza nasce, reencontramo-nos com nós mesmos e experimentamos a
alegria. Agora vem a minha contribuição. Continuo o mito. Há seres
privilegiados – eles bem que poderiam ser chamados de anjos – aos
quais é dado acesso a esse mundo espiritual de beleza. Eles veem e
ouvem aquilo que nós nem vemos nem ouvimos. Aí eles transformam o
que viram e ouviram em objetos belos que os homens normais podem ver
e ouvir. É assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que me
comove por sua beleza, eu me re-encontro com a mesma beleza que
estava adormecida dentro de mim.
Rubem
Alves,
in Ostra
feliz não faz pérola
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