quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Coisas simples

A poesia gosta mesmo é de coisas simples. Basta uma imagem banal. A Adélia Prado é especialista em fazer poesias com insignificâncias. Quiabos “chifre de veado”, ora-pro-nobis, tanajuras, galinhas, ovos, escamação de peixes, galinhas de bico aberto, a mãe cantando enquanto cozinhava exatamente arroz, feijão-roxinho e molho de batatinhas: com essas coisas ela faz poesia. Pois poesia é feito caleidoscópio: faz beleza com caquinhos de vidro. Por que é que os poetas são assim tão ligados às insignificâncias? Porque é com insignificâncias que a vida é feita. Pois eu escrevi sobre a insignificância de chupar laranjas... O Zé, marido da Adélia, me mandou e-mail imediato lá de Divinópolis, juntando-se a minha conversa sobre os jeitos de chupar laranja. E ele me disse que por lá os pobres também chupavam de gomo. Só que enfiavam o gomo inteiro na boca, depois cuspiam os caroços e engoliam o bagaço. Isso, por causa da prisão de ventre. Se eu escrevi e o Zé me respondeu é porque a amizade se faz com insignificâncias. Em Minas Gerais até jeito de chupar laranja é poesia…
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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