Você
podia ter ficado longe e sem correr riscos. Mas voltou. Entrou sem
bigodes, com os cabelos tingidos e cortados curtos e óculos de
mentira e um nome qualquer. Tinham se passado dois longos anos. Você
pôde caminhar pelas ruas da cidade, embora pouco e com cuidado, e o
coração parecia dar murros no peito e a cidade reconhecia você em
segredo e o aceitava. E você me disse, com voz de touro, enquanto
mordia uma maçã: “Tinha que voltar. Não se pode ficar sentado na
própria segurança como se fosse a maior bunda do mundo”. Você
estava muito nervoso e queria rir e não conseguia.
Pouco
depois veio o verão, você mandou um recado, nos encontramos para
tomar cerveja gelada. Você falou na frente de um exército de
garrafas vazias. Você tinha podido mexer-se um pouco, quase nada,
mas tinha sido suficiente: suficiente para que você sentisse o
cheiro da fúria nos bairros, a cidade tinha os dentes apertados: “Se
demoro um ano a mais, só encontro cinzas. E ainda não existem
condições objetivas? Tem uns caras-de-pau... Você quer
contradições mais superantagônicas? Daqui a pouco as pessoas vão
brigar até pelo capim que cresce nas calçadas”.
As
moscas passeavam, lentas, pelo ar pegajoso.
– Essa
desgraça toda vem grávida – você disse.
Bebeu
a cerveja de um gole só e limpou a espuma da boca com as costas da
mão.
Não
quero dizer que seja tão fácil como soprar garrafas. Já sei que a
fome também produz faquires. Você soma miséria e mais miséria e
às vezes o resultado é apenas mais miséria. Já sei, a gente tem
que respeitar a realidade. Foi difícil aprender isso. E mais difícil
foi aprender que ela não tem nenhum motivo para nos respeitar. E, se
tivermos de nos arrebentar, a solução é arrebentar-se e pronto,
não é? Foi difícil aprender isso.
Um
ar úmido e quente pesava sobre as ruas. Cedo ou tarde choveria,
teria que chover, de repente estourariam os ventres das nuvens
paridoras de tormentas. Você disse:
– Será
certo que no fundo somos cristãos apressados? Baixar o céu com as
mãos. Nós também trazemos a boa notícia. O reino dos justos e dos
livres... Juan teria gostado da ideia. Quero dizer, se estivesse
vivo.
A
cerveja estava densa, a espuma era um creme frio, era sentida na boca
e na garganta e nas tripas. “As coisas são fáceis – você disse
–, estão mais claras.” E em seguida você disse: “Mas serão
mais difíceis para mim, agora. Já estão sendo, sabe?” E em
seguida:
– Foi
muito duro para mim vir, sabe?
Você
estava sentado, as costas contra a parede.
–
Porque agora tenho mulher.
Você
nunca dava as costas a ninguém.
– Nem
mesmo podemos nos escrever. Não me queixo. É um preço que se paga
e está bem e acontece a muitos outros.
Você
falava com os olhos fixos na porta do bar, estava tenso, não movia
nem um único músculo:
– Quem
sabe se vou vê-la de novo.
E,
em seguida, olhando para a palma da mão aberta:
– São
os riscos da profissão, como dizia um samurai amigo.
Na
janela, ondulava um bando de gaivotas. As gaivotas se precipitaram
sobre o porto; um alvoroço branco entre mastros e fumaça e você
dizia: “Eu tinha conseguido o que procurava e não me animava a lhe
dizer. Nunca lhe disse. Veja só. Devem ser problemas de caráter. Ou
talvez tenha sentido que não tinha esse direito. Sei lá. É uma
desgraça. Ou nem isso”.
Calculou
as palavras:
– Já
sei que, se não tivesse voltado, teria me sentido um traidor.
As
gaivotas levantaram voo mais além das nuvens que estavam, escuras de
chuva, no céu.
– E
já sei, também, porque soube, porque eu não sabia, que não
estamos brigando apenas por um montão de coisas muito grandes e
muito nobres. Não é que eu queira nada para mim. Não. É muito
mais simples. E veja como foi besta o tempo que demorei para saber.
Anos. Anos sem saber que também se podia estar nisso pelo sorriso
triste de uma mulher e pela cintura livre de pistolas.
Eduardo
Galeano, in Vagamundo
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