quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Mulheres (2)

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Um ou dois dias depois, recebi um poema de Lydia pelo correio. Era um longo poema que começava assim:

Saia daí, velho gigante,
Saia desse buraco escuro, velho gigante,
Saia pra luz do sol, venha ao nosso encontro e
Deixe a gente botar margaridas no seu cabelo...

O poema seguia em frente pra me dizer como seria bom dançar pelos campos com irrequietas criaturas femininas que me trariam alegrias e o verdadeiro saber. Guardei a carta numa gaveta do guarda-roupa.
Acordei na manhã seguinte com umas pancadas nos vidros da porta da frente. Eram dez e meia.
Cai fora – gritei.
É Lydia.
Tá legal. Espere um minuto.
Botei uma camisa, uma calça e fui abrir. Daí, corri pro banheiro e vomitei. Tentei escovar os dentes, mas só consegui vomitar de novo – o gosto doce da pasta virou meu estômago. Voltei pra sala.
Você tá mal – disse Lydia. – Quer que eu saia?
Não, não, eu tô legal. Sempre acordo desse jeito.
Lydia estava ótima. A luz atravessava a cortina e brilhava nela. Tinha uma laranja na mão que ela ficava jogando pro ar. A laranja rompia rolando a manhã luminosa de sol.
Não posso ficar – disse ela –, mas queria te pedir uma coisa.
Claro.
Eu sou escultora. Quero esculpir sua cabeça.
Tudo bem.
Você vai ter que ir na minha casa. Eu não tenho ateliê. Vai ter que ser na minha casa. Isso não vai te deixar nervoso, vai?
Não.
Anotei seu endereço e as instruções pra chegar lá.
Vê se aparece pelas onze da manhã. Os garotos chegam da escola no meio da tarde e atrapalham muito.
Vou chegar lá às onze – disse eu.
Sentei de frente pra Lydia, junto à mesa da cozinha. Entre nós dois tinha um montão de argila. Ela começou a fazer perguntas.
Seus pais ainda estão vivos?
Não.
Você gosta de Los Angeles?
É a minha cidade favorita.
Por que é que você escreve sobre as mulheres daquele jeito? – Que jeito? – Você sabe.
Não sei, não.
Ora, eu acho uma vergonha um cara que escreve tão bem como você não saber nada sobre as mulheres.
Não respondi.
Diabo! O que será que a Lisa fez com o...? – ela começou a procurar alguma coisa por toda parte. – Ah essas garotinhas que somem com os instrumentos da mamãe!
Lydia achou outro.
Esse vai ter que servir. Quieto agora; pode relaxar, mas fique quieto.
Eu a encarava. Ela trabalhava no monte de argila com um instrumento de madeira que tinha um laço de arame na ponta. Fazia gestos com o instrumento pra mim, por cima do monte de argila. Eu a observava. Seus olhos nos meus. Eram grandes, castanho-escuros. Até seu olho ruim, o tal que não combinava com o outro, era bonito. Lydia trabalhava. O tempo passava. Eu estava em transe. Então, ela falou:
Que tal uma folga? Tá a fim de uma cerveja?
Legal. Tô sim.
Ela se levantou pra ir à geladeira. Fui atrás. Tirou de lá a garrafa e fechou a porta. No que ela se virou, agarrei-a pela cintura e puxei-a pra junto de mim. Grudei, boca e corpo, nela. Ela segurava a garrafa de cerveja a distância, com o braço esticado. Beijei-a. Beijei-a de novo. Lydia me empurrou.
Tá bom – ela disse –, agora chega. Temos trabalho pela frente.
A gente se sentou de novo e eu fiquei bebendo minha cerveja; Lydia fumava um cigarro; entre nós, a argila. Foi então que a campainha tocou. Lydia se levantou. Uma gorda apareceu, com olhos frenéticos, suplicantes.
Essa é minha irmã, Glendoline.
Oi.
Glendoline puxou uma cadeira e começou a falar. E como falava. Se fosse uma esfinge, ia falar, se fosse uma pedra, ia falar. Quando é que ela vai se cansar e sair, fiquei pensando. Mesmo quando parei de escutar, era como se eu estivesse sendo bombardeado com minúsculas bolinhas de pingue-pongue. Glendoline não tinha nenhuma noção do tempo e não se tocava de que podia estar incomodando. Ela falava, falava.
Escuta aqui – acabei dizendo –, quando é que você vai embora?
Aí começou uma cena entre irmãs. Começaram a boquejar uma pra outra. Ficaram as duas de pé, agitando os braços uma pra outra. As vozes se elevavam.Se ameaçaram fisicamente. Por fim – na véspera do fim do mundo –, Glendoline deu um meio rodopio vigoroso e se abalou pra sair; cruzou o espaçoso batente da porta de tela e foi embora. Ainda dava pra ouvi-la, inflamada e resmunguenta. Foi pro seu apartamento, nos fundos do condomínio.
Lydia e eu voltamos pro nosso canto e nos sentamos. Ela apanhou seu instrumento de esculpir. Os olhos dela bateram nos meus.
Charles Bukowski, in Mulheres

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