sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Lá na Media Luna

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A senhora está vendo aquela janela, dona Fausta, lá na Media Luna, onde a luz sempre ficava acesa?
Não, Angeles. Não vejo nenhuma janela.
É que justinho agora ficou escura. Será que aconteceu alguma coisa ruim na Media Luna? Faz mais de três anos que aquela janela está alumbrada, noite a noite. Dizem, quem esteve lá, que é o quarto onde habita a mulher de Pedro Páramo, uma coitadinha louca que tem medo do escuro. E olha só: agora mesmo, a luz apagou. Não será um acontecimento ruim?
Talvez tenha morrido. Estava muito doente. Dizem que já nem reconhecia as pessoas, e dizem que falava sozinha. Bom castigo deve ter suportado Pedro Páramo casando-se com essa mulher.
Coitado do senhor dom Pedro.
Não, Fausta. Ele merece. Isso e muito mais.
Olha, a janela continua escura.
Deixa essa janela em paz e vamos dormir, que é noite alta para que nós duas, esse par de velhas, andemos soltas pela rua.
E as duas mulheres, que saíam da igreja muito perto das onze da noite, perderam-se debaixo dos arcos do portal, olhando como a sombra de um homem cruzava a praça na direção da Media Luna.
Escuta, dona Fausta, não parece que o senhor ali é o doutor Valência?
Parece mesmo, mas ando tão cega que não conseguiria reconhecê-lo.
Não se esqueça que ele veste sempre calças brancas e paletó preto. Eu aposto que está acontecendo alguma coisa ruim na Media Luna. E olha só como ele vai rijo, como se a urgência o empurrasse.
Pode ser de verdade uma coisa ruim. Sinto vontade de voltar e dizer ao padre Rentería que se achegue por lá, vai que essa infeliz morre sem se confessar.
Nem pense nisso, Angeles. Nem Deus queira. Depois de tudo que ela sofreu neste mundo, ninguém desejaria que se fosse sem os auxílios espirituais e continuasse a penar na outra vida. Embora os bruxos digam que nos loucos a confissão não vale, pois mesmo quando têm a alma impura são inocentes. Isso só Deus sabe... Veja só, já tornaram a acender a luz na janela. Oxalá tudo dê certo. Imagine só em aonde iria dar o trabalho que tivemos todos esses dias para arrumar a igreja para que pareça bonita agora no Natal, se alguém morrer naquela casa. Com o poder que tem, dom Pedro aguaria a nossa festa num triz.
A senhora sempre pensa o pior, dona Fausta. Era melhor fazer como eu: encomende tudo à Providência Divina. Reze uma ave-maria à Virgem e tenho certeza que nada vai acontecer de hoje para amanhã. Depois, que seja feita a vontade de Deus; afinal de contas, ela não deve estar tão contente assim nesta vida.
Acredite em mim, Angeles, a senhora sempre me repõe o ânimo. Vou dormir levando ao sono esses pensamentos. Dizem por aí que os pensamentos dos sonhos vão direto para o céu. Tomara que os meus alcancem esta altura. Amanhã nos vemos.
Até amanhã, Fausta.
As duas velhas, porta a porta, se meteram em suas casas. O silêncio voltou a fechar a noite sobre o povoado.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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