O
meu imaginário está cheio de animais. Pássaros, gatos, ratos,
galos, águias, onças, elefantes, sapos, porcos, lobos, dinossauros,
cobras, patos, gansos: já escrevi estórias sobre todos eles. Sinto
um enorme carinho pelas coisas vivas e me espanto diante delas. Por
vezes, lá em Pocinhos do Rio Verde, fico parado diante da parede da
casa, a admirar as mariposas que nela pousaram, atraídas pela luz.
Suas asas são assombros estéticos. Depois de admirar, fico a pensar
no mistério da vida. Como é possível? De que fundura de mistério
surge tanta beleza? Gosto dos patos. Novinhos, acabados de sair do
ovo, amarelinhos, fofos, sem que ninguém lhes tenha ensinado, já
sabem nadar. Mesmo que tenham sido chocados por uma galinha. E como é
tranquilizante vê-los deslizando calmos sobre as águas de um lago.
Vai aí um conselho terapêutico para a tranquilidade: ficar a ver os
patos a nadar por meia hora. Faz bem para a cabeça. Sobre eles
escrevi a estória O patinho que não aprendeu a voar. Uma
livreira me contou que um pai, indignado, devolveu o livro que havia
comprado sob a alegação de que o seu filho, ao final da estória,
se pôs a chorar. Ele achava que livros para crianças devem sempre
terminar em riso. Mas, que posso fazer? Escrevi a estória pra fazer
chorar. Parte da educação é mostrar às crianças que a vida se
faz também com o choro. Está dito nas Sagradas Escrituras: “Os
que com lágrimas semeiam com alegria ceifarão”. Escrevi outra
sobre gansos, animais que conheci lendo as estórias de Andersen. Por
isso tratei de povoar meu lugarzinho em Pocinhos do Rio Verde, o
sítio Mar de Minas, com patos e gansos. Lá eles podiam viver
tranquilos, sob a minha proteção. Eu jamais mataria um deles para
fazer um assado. Não troco a alegria permanente de vê-los pelo
prazer glutão de comê-los que termina em poucos minutos. Cada um
tem sua própria dignidade. Os gansos são arrogantes, têm
consciência da sua importância, andam sempre com o nariz empinado,
assoprando. Os patos, desajeitados no andar, são garças ao voar.
Sobem até o alto do morro e, de lá, voam brancos numa curva para
descer no lago. Sim, lá eles estão seguros. Morrerão de velhice.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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