segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A sopa

Subiu lentamente a escada, arrastando os pés. Estacou para respirar apenas uma vez, no meio dos trinta degraus: ainda era um homem. Entrou na cozinha e, sem olhar para a mulher, sem lavar as mãos, sentou-se à mesa. Ela encheu o prato de sopa, colocou-o diante do marido.
Olho vermelho de dorminhoco, o filho saiu do quarto e atravessou a cozinha. O homem batia as pálpebras, embevecido com os vapores capitosos.
Aonde é que vai?
O filho abriu a torneira do banheiro:
Fazer a barba.
Hora da janta. Vem comer.
Demorava-se o rapaz, torneira fechada. Com a toalha no pescoço, não olhou o pai.
Não quero jantar. Sem fome.
O homem suspendeu a colher:
Não quer jantar, mas vem para a mesa.
Todas as noites, esfomeado. Enchia a colher, aspirava o caldo de feijão e, fazendo bico nos lábios; grossos, tragava-o com delícia. O filho desenhava com o garfo na toalha de flores estampadas. A mulher, essa, contemplava o fogo, mão no queixo.
Dar uma volta.
O homem sugava ruidosamente e, a cada chupão, o filho revolvia a ponta do garfo no coração das margaridas.
Saiu agora do quarto, filho de barão! Mas eu... Quando me deitar de dia na cama! é para morrer!
A mão do filho abandonou o garfo e não se mexeu.
Volta cedo, não é?
A voz cansada da mãe, ainda de costas para a mesa. Não sabia ela que, ao defendê-lo, perdia a causa do filho? O homem esvaziou o prato e, descansando a colher, examinou as mãos enrugadas.
Estas mãos — sacudidas de ligeiro tremor — de um velho!
A mulher apanhou o prato, encheu-o até a beirada. O marido retorceu as pontas úmidas do bigode:
Você não come?
O filho contornava com o garfo as pétalas na toalha.
Não estou com vontade.
Depois o senhor vai para o quarto.
Cheirava a colher e sorvia a sopa, estalando a língua. O filho ergueu-se da mesa.
O senhor fica sentado. Não tem pão nesta casa?
A mulher trouxe o pão. Ele não o cortava: agarrava-o inteiro na mão e mordia várias vezes; em seguida partia-o em pedaços, alinhados diante do prato, atacando um por um, entre as colheradas.
Volta cedo, não é, meu filho?
De novo a mãe, nunca aprenderia.
Agora não vou mais.
O pai dizia a última palavra:
Uma vergonha! O chefe tem de jantar sozinho. O filho preguiçoso... até para comer. A mulher — com seus brados retiniam os talheres — tem o estômago delicado. Não se mexeu, curvada sobre o fogão.
Olhe para mim quando falo com a senhora!
Ela se virou, a enxugar as mãos na saia.
Depois de velha, melindrosa. Não pode comer com o rei da casa, que lhe sustenta o filho e lhe dá o dinheiro?
Sabe por que não sento.
Os dois a olharam com espanto, nunca discutiu as ordens do marido.
Sei não, dona princesa. Pois me conte.
Ele pedia, a colher no ar:
Perdeu a coragem, que não fala? Outra vez a mulher deu-lhe as costas.
Só nojo de você.
Ele começou a soprar, manchava de borrifos a toalha.
O quê? O quê? Repita, mulher.
A dona abriu o fogão, espertou as brasas, encheu-o de lenha:
Nada espero da vida. Mas não posso te ver comer. Sei que é triste para a mulher ter nojo do marido. Você chupa a colher se fosse tua última sopa.
Come o pão se eu fosse te roubar. Não sei o que fiz a Deus para esse castigo mais desgraçado. Fui boa mulher, ainda que tenha nojo. Lavo tua roupa, deito na tua cama, cozinho tua sopa. Faço isso até morrer. Me peça o que quiser. Não que me sente a essa mesa com você e tua sopa mais negra.
O filho abandonou a cozinha e desceu a escada. Os dois ouviram bater a porta da rua.
O marido encarou pela primeira vez a mulher. Baixou os olhos, cabelos de gordura boiavam no caldo frio. Erguendo um lado do prato, acabou o resto de sopa e lambeu a colher.
Dalton Trevisan, in Novelas nada exemplares

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